Revisitando 1990: “Godfather III”

Revisitando 1990: “Godfather III”

Junho 27, 2023 0 Por Roni Nunes
Partilhar

Francis Ford Coppola aceitou apenas por razões financeiras voltar ao seu grande sucesso dos anos 70. Curiosamente, em 1990 outros grandes cineastas resolveram contar histórias de criminosos a partir do interior dos seus universos, onde a autoridade instituída aparecia como corrupta (“Miller’s Crossing”, dos Coen), ausente quase até o fim (“Goodfellas”, de Scorsese) ou como antagonista dificilmente mais empática do que os próprios bandidos (“King of New York”, de Abel Ferrara).

No filme de Coppola, os contornos tornam-se mais épicos na medida em que Coppola propõe uma “via crucis” do grande criminoso Michael Corleone (Al Pacino) em busca de redenção depois de décadas de crimes sem punição. Ele aqui é encontrado muitos anos depois dos acontecimentos do segundo filme a receber uma distinção (comprada) do alto clero, para além de fazer negócios com banqueiros do Vaticano e a ser ameaçado por antagonistas igualmente bandidos.

Se a polícia aqui não tem nada a fazer, caso muito diferente é o de outra instituição – a igreja, cuja autoridade máxima se revelará muito pouco apta a lhe oferecer consolo dada a sua própria degradação moral. Para tal construção nesta pouco simpática mostra de corrupção generalizada dentro do clero, Mario Puzo e Coppola inspiraram-se em dois eventos verídicos – a morte muito suspeita de João Paulo I, que durou pouco mais de um mês como papa, em 1978, e no escândalo envolvendo o Banco do Vaticano em 1982.

Sem uma receção muito entusiástica na altura, posteriormente foi defendido por críticos influentes como Serge Daney, João Bénard da Costa e Jean Douchet, mas percebe-se a apatia da crítica menos cinéfila: se nos anteriores o fascínio era pelo “story telling” (o carisma dos personagens e atores faz com que muitos anos depois estejam na lembrança figuras secundárias, como Petrangeli, Clemenza, Solozo ou Roth), em “Godfather III” o forte fica-se pelo conceito (a humanização e a tragédia do lider). O resto, inclusive uma confusa e desinteressante trama, desaparece da memória sem deixar grandes vestígios.