
IndieLisboa 2022: Doris Wishman – “soft porn” para o século XXI…?
O festival decorre entre 28/04 e 08/05 e tem como espaços principais os cinemas São Jorge e Ideal, a Cinemateca Portuguesa e a Culturgest.
Rompendo com o puritanismo reinante mas longe de invocar essa razão, o IndieLisboa adentra pelo universo dos “soft porns” que aproveitaram as liberdades na indústria dos anos 60 com a erosão do Código Hayes. Com uma retrospetiva na Cinemateca, que mereceu desta uma explicação com comparações ao “onirismo” de David Lynch e o selo “autoral” para justificar a escolha, a cineasta Doris Wishman, falecida em 2002, surge representada em dez filmes.
Óbvio que o que ela fez foi o mesmo que os homens da altura fizeram – faturar com a fantasia masculina por excelência, a nudez feminina. Mas, dados os tempos que correm, talvez não seja hora para celebrar os “talentos” razoavelmente conhecidos de pioneiros como Russ Meyer ou Gordon Herschell Lewis, mas antes contar a história de uma mulher não propriamente lembrada.
Desculpas (muito) esfarrapadas…
Quando Meyer alcançou um enorme sucesso com o seu The Imoral mr. Teas (1959), a nudez feminina nos filmes já tinha o seu histórico no universo da “exploitation”– onde empresários como Dwight Espair e afins contornavam a censura nos áridos tempos do código Hayes com desculpas bem esfarrapadas (a do seu suposto caráter “médico” e educativo dos filmes).
Já os “nudie cuties” eram justificados como um registo natural dos campos de nudismo – então uma das descobertas que até poderiam estar bem representados no primeiro terço de Diary of a Nudist – quando o editor de um jornal descobre casualmente, num passeio por um parque, um grupo de nudistas e manda a uma jornalista investigar o assunto.
Mulheres nuas… na Lua não!
Meyer e todos os outros que o seguiram pretendiam, claro, explorar a atração pela nudez feminina e uma censura claudicante virava-se como podia contra as manifestações de uma década que se revelaria difícil de domar. Houve, inclusive, situações ridículas como a que envolveu o segundo filme da retrospetiva de Wishman no IndieLisboa, Nude on the Moon, rejeitado pela censura porque a nudez só podia ser filmada nos seus lugares próprios, “não na Lua”!
Passada essa fase de filmes ingénuos e, para os padrões de hoje, aborrecidos (essencialmente homens e mulheres a desfilarem – sem nu frontal – pela relva de parques ensolarados), a coisa tornou-se mais séria com os “roughies” – onde o fetiche, mais ou menos na altura de um dos assombros na bilheteira ter no centro a fantasia da violência sexualizada contra a mulher, Psycho, eram os mal tratos ao sexo feminino. O tema é complexo e não se presta a moralismos nem leituras preto-no-branco. O mecanismo ainda opera na ficção – caso recente do sucesso de As 50 Sombras de Grey (livro e filmes).
Seja como for, Herschell Lewis, que andou por lá antes de descobrir o “ketchup” e direcionar-se ao terreno sanguinolento dos “splatters”, despoletou o filão com Scum of the Earth!. Bad Girls Go to Hell, lançado dois anos depois e apontado como um dos melhores filmes de Wishman, seguiu a onda.

Do “soft” para o “hard”
Os “soft porn” em geral foram entrando em declínio no início dos anos 70 na medida em que a pornografia “hardcore” vinha tomar o seu lugar. Wishman também fez o seu (Satan Was a Lady, em 1975) mas detestou a experiência e chegou a negar a autoria anos mais tarde. O rumo que tomou nos 70s para compensar foram outros – comédia (Keyholes Are for Peeping ), colocando as suas protagonistas em problemas com a Máfia (Deadly Weapons), com espiões (Double Agent 73) ou mesmo um documentário sobre transgéneros (Let me Die a Woman). É uma pena que tenha ficado de fora da programação a sua proposta “slasher” A Night to Dismember – eventualmente o único deste subgénero terrorífico a ser realizado por uma mulher além de Slumber Party Massacre (1982).
Lista dos filmes exibidos na Cinemateca no âmbito do IndieLisboa:
1961 Diary of Nudist
1961 Nude of the Moon
1965 Bad Girls Go to Hell
1966 Another Day Another Man
1968 Indecent Desires
1972 Keyholes Are for Peeping
1974 Deadly Weapons
1974 Double Agent
1975 The Immoral Tree
1978 Let Me Die a Woman