
Doclisboa 2024: música para todos os gostos na seção “Heart Beat”
Como todos os anos, a seção Heart Beat é uma das mais apetecíveis do Doclisboa – trazendo documentários sobre uma constelação de artistas e temas ligados à história da arte. A música, em especial, surge numa diversidade de produções e estilos.
Começando pelos Blur: o grupo, liderado por Damon Albarn e que é uma das grandes estrelas da constelação do “indie rock” britânico dos anos 90, teve uma carreira errática no século XXI – particularmente depois da saída do guitarrista Graham Coxon em 2002. Depois de “Think Thank”, lançado neste ano, o hiato foi longo – onde Albarn foi uma das forças criativas dos Gorillaz. Depois de “The Magic Whip” (2015) eles voltaram à ativa em 2023 com o muito bem recebido “The Ballad of Darren”. “Blur: to the End” marca esse retorno, que seria coroado com um grande concerto em Wembley” e é marcado por discussões em torno da idade e do envelhecimento.
Esses temas também perpassam “Road Diary: Bruce Springsteen and the E Street Band”: já lá vão mais de 50 anos do primeiro álbum do “boss” – muitos dos quais acompanhados pela E Street Band, fundada em 1972. O filme de Thom Zimny captura os bastidores dos músicos durante a última “tour” – num ano do “Best of “ e dois anos depois do 21º álbum (as “covers” de “Only the Strong Survive”).
Em terras brasileiras e de carreira bem mais acidentada, Luiz Melodia fez um percurso onde não facilitou a sua própria vida ao posicionar-se em várias ocasiões contra as exigências do mercado. A consagração começou como compositor – com a gravação de um dos seus maiores clássicos, “Pérola Negra”, por Gal Costa, em 1972. Um ano depois saiu o seu primeiro álbum, “Pérola Negra”. A partir daí, o “maldito”, como foi apelidado pela indústria, teve altos e baixos em termos comerciais, mas deixou para a posteridade 13 álbuns – o último dos quais, “Serima”, lançado em 2014. O cantor faleceu em 2017 e “Luiz Melodia – no Coração do Brasil”, de Alessandra Dorgan, conta essas e outras histórias.
Outras figuras muito originais foram os Devo, surgidos na epifania da “new wave” mas com características muito especiais. Partindo do “punk” para criar uma música muito mais interessante, o grupo também se definiu pelo seu engajamento ideológico através da sua famosa teoria da “involução” – forte crítica da sociedade de consumo. Se no final dos anos 70 eles apregoavam, entre outras coisas, que a tecnologia servia para enfatizar o conformismo e o controle das grandes corporações, é de se pensar o quão pertinente está o tema quatro décadas depois… O filme homónimo é de Chris Smith.
Em anos posteriores foi a hora e a vez dos Pavement e de Peaches. No primeiro caso coube ao cineasta “indie” americano Alex Ross Perry, que já havia transformado o primeiro e mais aclamado álbum do grupo (“Slanted and Enchanted”, de 1992) numa “rock opera” em 2022, operar uma mistura de cenas ensaiadas, imagens de arquivo e exibições ao vivo do grupo para o seu “Pavements!” – recém-estreado no Festival de Veneza.
Por seu lado, a cineasta Marie Losier é bem conhecida dos festivais internacionais com uma filmografia na qual as performances e provocações de Peaches parecem cair como uma luva. O resultado é “Peaches Goes Bananas”. Destaque ainda para “Ressaca Bailada – Filme Concerto”, onde o guitarrista do grupo Expresso Transatlântico, também cineasta, apresenta uma performance numa casa, e “Before It’s too Late”, traz o ator francês Mathieu Amalric a filmar a gravação do último e final álbum do Quarteto Emerson, após 47 anos de atividade.