“Close” – trauma pré-adolescente

“Close” – trauma pré-adolescente

Maio 4, 2023 0 Por admin
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Por André Gonçalves

É só a sua segunda longa-metragem, mas Lukas Dhont começa a revelar um fascínio quase mórbido por passagens forçadas de idade – e bem “queer”. 

Em Cannes, voltou a ser aplaudido por muitos e criticado por alguns, que acusaram a obra de ser manipuladora com o espectador, para o fazer chorar. Mas se “Close” encaixa nesse rótulo de “manipulador”, e se sim, se trata de um dramalhão capaz de fazer chorar as pedras da calçada, conforme diz a gíria, pertence sem dúvida a uma classe superior dessa prateleira: é bem filmado, e mesmo quando se dirige ao grande momento-choque, feito de uma sensibilidade extrema que sugere até uma base em “fatos reais” do cineasta e co-argumentista Angelo Tijssens. De facto, desconstruída esta história de uma amizade próxima entre dois rapazes de 13 anos que é desafiada por um certo “bullying” de liceu até chegar a consequências trágicas, sentimos que já vimos este filme acontecer, pelos piores motivos sociais. A maneira como esta é mostrada é felizmente menos “cliché” , mais ambígua e serve menos de cobertor do que poderíamos ter do outro lado do Atlântico por exemplo…  

“Close” é um filme de duas metades. Mencionar até uma componente trágica parece estar a “spoilar” o filme até metade aliás, mas é incontornável escrever sobre ele sem mencionar o impacto emocional que tem em quem o assiste, e que o ajudou a conquistar prémios um pouco por todo o mundo até chegar à nomeação ao Oscar de Melhor Filme Internacional. Leo e Rémi são os dois pré-adolescentes que vivem num mundo imaginado também por eles, onde existem planos mais ou menos fantasiosos para um futuro a dois, até embaterem no recreio da escola com os restantes colegas, que começam a insinuar que há algo a mais nesta relação. 

Dhont, homossexual, podia aqui ter sexualizado (e personalizado em demasia) a experiência (ver o que Larry Clark fez aos “seus” miúdos múltiplas vezes), mas de facto mostra perceber o quão cândida é esta relação pré-hormonal, entre o platónica, fraternal e quanto muito numa visão romântica . Em nenhum momento temos um “amo-te”, mas o amor existe nos olhares e nos gestos (e que amor pode ser maior quando desprovido do interesse sexual, teorizariam muitos!), inocentes até serem forçados a ser retraídos. Ajuda também ter encontrado dois jovens atores à altura desta ambiguidade e universalidade da experiência – Gustav De Waele e Eden Dambrine impedem que a película em algum momento atinja uma nota falsa na primeira metade, o que faz com que o virar da página venha com a potência imaginada por Dhont e companhia. E na segunda metade, há ainda a contribuição preciosa de Emilie Dequenne no papel de mãe de Rémi. Sobre esta segunda metade, podemos argumentar que há aqui uma repetição que a certo ponto parece indicar que chegámos ali a um impasse em termos dramáticos sobre o que fazer depois do choque, como se estivessemos a quente a racionalizar a tal manipulação de que fomos vítimas; mas num segundo visionamento, já preparados para o que aí vem, percebe-se a intenção. 

“Close” é assim um drama tão cirúrgico como certeiro – poder-se-ia pensar que a preciosidade e o perfeccionismo dos seus cortes fosse descarrilar a experiência – mas de facto, consegue ser suficientemente único e apelar ao mesmo tempo a uma experiência coletiva passada para se tornar uma das obras mais memoráveis sobre a amizade em tempos de transição.