“Lords of Chaos”: a história mais alucinante do “metal”
O grande problema que sempre se pôs em torno dos Mayhem, a banda norueguesa do final dos anos 80 que colocou o “black metal” no mapa (ou pelo menos uma versão muito mais sinistra daquilo que pioneiros como o Venom havia feito alguns anos antes), é que a sua história é tão alucinada e mirabolante que a sua música ficou sempre em segundo plano. Autores não só de “Freezing Moon”, hoje considerado um clássico do subgénero (tal como o seu álbum de estreia, “De Mysteriis Dom Sathanas”, de 1994), três bons anos antes dos sinistros Cannibal Corpse eles cometeram algo como “Chainsaw Gutsfuck” – contendo gloriosos versos como “Maggots crawling in her cunt /I just love to lick that shit).
Neste sentido, a divertida e violenta recriação de Jonas Akerlund, que antes de se tornar um diretor de videoclipes de renome internacional foi baterista de um dos pilares da cena “black metal”, os suecos dos Bathory, não ajuda muito. A música importa menos em “Lords of Chaos”: o que se pretendeu foi contatar a história de um empreendedor nato que cria um movimento sensacional que perde completamente as estribeiras.
O enfoque levemente humorístico (feito para atenuar a trágica realidade) não quer dizer que não ilumine alguns aspetos, como a vida de Euronymous (nome verdadeiro Øystein Aarseth), o guitarrista assassinado dos Mayhem e o grande génio do “marketing” da coisa toda. Ou, pelo menos, até que ele próprio começasse a ficar assustado com as dimensões dos atos que “inspirava” – que vão desde o infame movimento de queima de igrejas que assolou a Noruega entre 1992 e 1996, até um homicídio gratuito de um homossexual num parque cometido por Faust, baterista de outro ícone da época mas com carreira mais longa, o Emperor).
Todo mundo sabe os factos notórios: a forma como Euronymous infamemente fotografou os miolos do depressivo e suicida Dead, o primeiro vocalista do grupo, e usou na capa de um álbum, o seu assassinato pelo baixista do grupo e primeiro contratado da loja/selo do guitarrista, Varg Vikernes (que cumpriu 15 anos de pena pelo homicídio, ao mesmo tempo que se tornava um supremacista branco fanático) e outros factos lendários – como os dos membros da banda supostamente usarem pedaços do crânio de Dead pendurados ao pescoço.
Akerlund até considerava Euronymous melhor “marketeiro” do que músico, descrevendo-o como um verdadeiro empreendedor que, com apenas 25 anos, já tinha fundado uma banda, uma loja de discos e uma gravadora. Na procura de humanizar essas figuras, o cineasta mete-o a cortar o cabelo mais para o final, enquanto apaixonava-se e tentava se livrar por contrato do sinistro Vikernes. Quanto a esse, fica o verdadeiro posto de bobo da corte, quando tenta arranjar um escândalo e aparecer na imprensa e é ridicularizado pelo jornalista convidado para entrevistar: “estou a ver que é pagão, satânico e também nazi. É um vasto leque de crenças!” Mas seu nível de loucura não devia ser subestimado: nada mais perigoso que um idiota que leva como profissão de fé a invenção de um imaginário. E caberia a Euronymous pagar a fatura.