Relembrando os Oscars: “A Forma da Água” e o princípio da inclusão
Enquanto muitos eventos por aí deviam mudar os nomes dos seus prémios e listas de “Melhor Filme” para “Melhor Filme Inclusivo”, onde transformam a arte num veículo domesticado para agradar a demandas sociais, talvez essa obra de Guillermo del Toro reproduza de forma abrangente o princípio da universalidade da inclusão – especialmente porque não dá nome aos seus excluídos.
Com um visual estilizado a meio caminho do conto de fadas, A Forma da Água narra, Inicialmente, uma história de solidão, simbolizada na vida de uma pacata empregada de limpeza (Sally Hawkins) nos anos 60. De uma vida quotidiana sem maiores sobressaltos, ela acaba por se ver envolvida numa grande aventura no local estratégico onde trabalha – um laboratório secreto que atua no contexto da Guerra Fria. Para lá é levado um espécime capturado na América do Sul para ser cobaia de experimentos.
Os anos 50 e 60, com todas as suas atrocidades relacionadas à Guerra Fria, foram também décadas fascinantes por si pelo facto de verem desabar antigas convenções que poderiam ser enquadradas na hoje muito gasta palavra “patriarcado”. Del Toro simboliza a decadência da América racista, de um lado, aliada à uma pouca simpatia pelo idealizado sonho suburbano de consumo – este, em termos históricos, destinado a continuar e crescer. Tudo isso na pele do vilão vivido por Michael Shannon.
As escaramuças envolvendo o salvamento da “criatura”, com mistura de agentes russos etc., não tem grande importância, mas antes a impressionante cena de sexo que leva o olhar do espectador à uma nova dimensão de tolerância – onde del Toro concretiza a ideia de um verdadeiro amor sem barreiras – nem físicas, nem intelectuais nem de qualquer ordem.
Por falar em anos 50, o filme oferece um interessante paralelo com Creature of Black Lagoon, clássico do cinema de terror lançado em 1954. O filme narrava a história, justamente, de um anfíbio descoberto por exploradores nos confins da Amazónia – o qual, quando saía do fundo das águas barrentas, parecia estar bastante interessado na “lady” vivida por Julie Adams. Quatro anos depois, a personagem de Marylin Monroe no clássico de Billy Wilder, The Seven Year Itch, assistia o filme no cinema e proclamava: “o monstro não era mau, ele só queria ser amado”.
Seis décadas depois, o cineasta mexicano consagrava essa ideia das possibilidades infinitas da aceitação de todos os enjeitados.