Percussão com tábuas de lavar roupa: o “skiffle” e a invenção do “rock” inglês
O “rock” inglês deu cartas na música mundial a partir dos anos 60; nos anos 50, enquanto o “rock’n’n’roll” arrebentava nos Estados Unidos e ganhava o planeta, os ingleses criavam de forma precária a sua própria versão em sintonia com uma explosão de energia tipicamente juvenil. O fenómeno recebeu o batismo de “skiffle”.
O cantor Billy Bragg, que escreveu um longo compêndio sobre o tema (*), disse que este é um dos fenómenos mais subestimados da música inglesa – de onde imensos talentos surgiram, mas que poucos créditos deram a este passado. Segundo Bragg, a irupção significou o rompimento definitivo com um mercado tomado pelo “jazz” e voltado ao público adulto – dedicando o seu estudo a “todos aqueles que pegaram numa guitarra depois de ouvir Lonnie Donegan” (o maior ídolo surgido dentro do movimento). Naquilo que chama de “deserto” tutelado pela BBC, a surgimento do “skiffle” levou milhares de moleques a trocar os instrumentos de sopro pelas guitarras (acústicas, muitas vezes rudimentares).
Em termos sócio-económicos o pós-guerra inglês não era propriamente famoso e alguns racionamentos, por exemplo, duraram até a metade da década. Nada disto impediu, que ainda antes do “rock’n’roll” tomar o mundo, os britânicos já andassem fazendo experimentos, utilizando para isso “instrumentos” inusitados como tábuas de lavar e conjuntos de chá (!) para compensar a pobreza e o amadorismo com uma paixão juvenil.
Ousaram ainda emplacar um “hit” solitário nas paradas inglesas com o entusiasta Lonnie Donegan ainda em 1954 – a versão para “Rock Island Line”, clássico “folk” de Leadbelly. Sobre este, aliás, George Harrison foi peremptório: “sem Leadbelly não haveria Lonnie Donegan; e sem este não haveria Beatles”.
Assim, quando Elvis Presely e cia. invadiram as ilhas o que fizeram foi potencializar um caldeirão em formação e que havia gerado um fenómeno assinalável: estima-se que na segunta metade dos anos 50 entre 30 e 50 mil bandas de “skiffle” assolaram o território! Tudo dentro do mais puro espírito juvenil: conforme assinala Bragg, trata-se do primeiro fenómeno musical onde jovens fizeram músicas para os jovens.
Obviamente que desta multidão muitos garotos entraram com nobres mas efémeros propósitos – como impressionar as madames ou meramente se divertir. Daqueles que se levaram a sério, entre os quais os Quarrymen fundados por John Lennon em 1956, a profissionalização foi o caminho mais óbvio – assim como o abandono não só dos ritmos “folks” e tradicionais do “skiffle” como a adoção do “rock” puro e duro.
Por volta de 1958, a Inglaterra entra junto com a Europa Ocidental numa fase de ouro em termos económicos – e jovens ingleses muito mais afortunados que seus antecessores desencadeiam um verdadeiro “boom” de aquisição de guitarras elétricas. No mesmo ano, surge o primeiro grande ídolo local já associado ao “rock” e decalcado das cópias americanas – quando Cliff Richards, destinado à uma permanência longeva nos corações dos britânicos, chegaria ao Top 1 com “Move On”. Aí, aos poucos, começaria outra história.