Pasolini, centenário: “Mamma Roma”

Pasolini, centenário: “Mamma Roma”

Janeiro 30, 2022 0 Por Roni Nunes
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Pier Paolo Pasolini nasceu em Bolonha, em, 1922. No ano do centenário do seu nascimento Cultura XXI apresenta uma série de artigos sobre os seus filmes.

Federico Fellini convidou o escritor de “Una Vita Violenta”, publicado em 1955, para ajudar a dar credibilidade a prostituta que protagonizava Noites de Cabíria. O referido escriba, Pier Paolo Pasolini, contribuiu com as cenas de rua – particularmente uma onde Giuletta Masina sai na pancada com outra “colega”. Mas a “mulher de vida fácil” de Fellini logo transporta-se, com a sua filiação chapliana, para o universo de um mundo sofisticado – de clubes, carros velozes, mordomos e apartamentos de luxo – e com “insights” frequentemente cómicos.

Tais suavidades não interessavam a Pasolini. Quando este decidiu, quatro anos depois de Noites de Cabíria, fazer ele próprio um filme sobre o assunto, a prostituta vivida por Anna Magnani nunca chega a sair das pérfidas povoações onde trabalhou durante a sua vida – mesmo quando tenta abandonar o “ramo” numa tentativa de ser aceite socialmente. A verve do cineasta de Bolonha, que iniciou a carreira um ano antes com a vida de um proxeneta (Accattone), mirava outros horizontes…

Mamma Roma é vivida por Anna Magnani, que manteve-se célebre em Itália depois de protagonizar uma das cenas mais icónicas do neorealismo – a do assassinato em Roma, Cidade Aberta. A atriz andava especializada em viver personagens rudes e sem classe e aqui não faz por menos: adentra com grande espalhafato um almoço de casamento seguinto três porcos pequenos. A refeição está organizada como se fosse uma das reproduções da última ceia, mas de santo ninguém tem nada por aqui: ela é uma ex-prostituta que foi explorada por Carmine (Franco Citti), precisamente o noivo no centro da celebração.

Muitos anos depois essa mulher busca a própria redenção: passa a vender verduras na feira e vai buscar o filho, Ettore (Ettore Garofolo), o qual havia deixado na aldeia, a fim de trazê-lo para a cidade e dar-lhe um “futuro”. O destino nega a realização dos sonhos pequeno-burgueses de Anna – que volta a ser duramente castigada pelo passado com o retorno do antigo “patrão” das ruas.  Com Ettore, Pasolini também fecha um ciclo de heranças e determinismo: ao nunca encontrar um lugar na sociedade, vivendo sem objetivos e tendo como único desejo Bruna (Silvana Corsini), uma descompromissada e promíscua jovem das redondezas, termina delirante e implorando para voltar para aldeia.

Esse destino de pouca simpatia de Pasolini representa o primeiro momento onde ele aborda frontalmente o seu ódio de estimação: a pequena-burguesia e o consumismo que tomava conta da sociedade italiana (e ocidental). Esta vai longe: quando o Maio de 68 atraiu as simpatias românticas da esquerda mundial, o cineasta vociferou num poema que aqueles jovens que protestavam nada mais eram que os filhos de gente privilegiada; nos confrontos com a polícia, eram os agentes desta que representavam o verdadeiro proletariado oprimido.

Fundamentalmente, Pasolini acreditava que todos os projetos que o fascismo não tinha conseguido sob coação os governantes obtinham agora através da sociedade de consumo – por outras palavras, a homogeneização, a alienação e o reforço do poder do Estado. Talvez por isso Mamma Roma foi melhor aceite pelos pares de esquerda de Pasolini do que Accattone, enquanto continuou arranjando confusão com a direita – especialmente os restos do fascismo que ainda assombravam a Itália.