Oscars 2024: “Pobres Criaturas”
Por André Gonçaves
Yorgos Lanthimos sempre ficou fascinado por disrupções. Apelidado de fundador do novo cinema grego que teve o seu apogeu com a crise financeira (a anterior, não a atual), o cineasta depressa migrou para terras anglo-saxónicas e, em “Pobres Criaturas”, completa assim um quarteto de filmes que espelham pelo menos uma vontade de fazer algo fora da caixa. No entanto, o que começou como um abanão (“Canino”, “A Lagosta”), está a esta altura do campeonato a ser ironicamente limitativo e a ter quem acuse de tais empreendimentos como superficialistas pela sua obsessão crescente por uma forma (“kubrickiana”).
Nesta película, que em si parece um experimento alucinante, pega no cérebro de “Frankenstein” (a obra de Mary Shelley e o filme de James Whale) para o seu corpo elétrico, sempre à procura de chocar o próximo, pedindo ali pelo caminho uns adereços ao cinema fantástico de Guillermo del Toro e companhia. O resultado é impressionante, desde logo pelo aspeto circense e megalómano deste, onde os elementos técnicos de produção (“design”, guarda-roupa, caracterização…) são tão vistosos, tão bem cuidados, que ameaçam aqui e ali ser prova derradeira para os detratores em como “o Rei vai nu”.
Felizmente, há aqui também uma audácia pós-feminista – criada por homens, sim, mas feminista ainda assim – na exposição de sexo e violência – atingindo limites do absurdo e provando que os dois aspetos estão organicamente indissociáveis. Isto num filme que para todos os efeitos é um filme “académico”, i.e. a somar nomeações a tudo o que é prémio principal da indústria. Se acharam que “Barbie” era radical, então apertem os cintos de segurança…
Voltando à obsessão formal de Lanthimos, que repete à exaustão a câmara estilo “olho de peixe”/”visão de fechadura” em quase duas horas e meia, é conforme o que foi dito inicialmente: o que começa por ser uma deliciosa disrupção, pode facilmente virar uma perigosa distração. Ao fim da primeira meia-hora a preto e branco, o espectador é capaz de ficar zonzo e a olhar para o relógio. Felizmente, a ação vai mudando e, sendo melhor ignorar os falsos estereótipos portugueses de Lisboa (uma “siesta” aqui? Hah! Queríamos nós!), esta agitação acaba por fazer com que o filme, embora se estique para lá do que tem efetivamente para dizer, não canse tanto como se temia inicialmente.
E, claro, há uma Emma Stone a colar tudo isto e a surpreender sobretudo numa primeira metade do filme – o filme é a odisseia da sua Bella, uma bela e “monstra” ao mesmo tempo, é caso para dizer, e a sua Odisseia pelo Mundo, em busca de um sentido para tudo, como todos nós. Se a finalidade não se afasta muito da base não tão “fabulástica” de que “os homens merecem ser transformados em ovelhas” (quem nunca?), não deixa de cumprir o seu programa de uma forma ainda assim espevitada, mesmo que não seja tão anárquica como queira apregoar. Mas por favor, menos fixação formal da próxima vez, Sr. Lanthimos!
Creio que a fixação formal do Sr Lanthimos também possa ser percebida como uma tentativa de dar algum sentido a todo barulho e exageros sensoriais que os filmes essencialmente comerciais utilizam sem nenhum pudor. O tom natural ironicamente dado à toda perversidade sobre todas as personagens ( a despeito de merecimento ou não ) também me parecem mais denúncia ( via humor nefasto) do que mero exercício formal. Essas são apenas considerações de uma pobre expectadores de filmes.
Obrigado pelas considerações, Marisa. São bastante pertinentes! Abraço.