Oscars 2023: “Triangle of Sadness”, o inferno socialista e capitalismo esclavagista
O cineasta sueco Ruben Ostlund pode não ser o rei das sutilezas, mas a sua sátira “buñueliana” (no que concerne a declarações de princípios) à burguesia encontrou pontos de agrado mundo afora – a começar pelo júri do Festival de Cannes liderado por Vincent Landon e que incluía pesos pesados como Jeff Nichols, Asghar Farhadi e Joachim Trier e que atribuiu a Palma de Ouro ao projeto. Mas o que podia ser só um arroubo momentâneo no calor de um festival teve mais pernas para andar: chegou a vez dos membros da Academia, que o colocaram na lista para Melhor Filme e Melhor Realizador.
Triangle of Sadness não traz uma narrativa convencional, mas “statements” encapsulados em quatro diferentes momentos – os dois primeiros pouco mais que “sketches” situados no mundo da moda masculina e num restaurante onde uma interminável (e irritante) discussão entre um casal de namorados (ela interpretada pela atriz sul-africana Charlbi Dean, que teve uma morte repentina aos 32 anos) trata de temas como ganância, avareza e “feminismo”.
Mas são os dois atos mais longos a dar forma ao filme. No “capítulo” do iate, o casal de namorados voltará a ser encontrado num luxuoso cruzeiro, onde tampouco deixarão de ser fariseus e dispostos a patéticas cenas de ciúme. Eles confraternizarão com outros ricos numa viagem onde personagens caricatos exibirão os seus atavismos de privilegiados. Alguns são divertidos, como o do casal de velhotes que ficou rico a vender granadas.
Mas o foco de Ostlund vai para o milionário russo “vendedor de merda” (como o próprio se define, fazendo alusão ao adubo que o tornou rico) e o bêbado e “marxista” capitão do navio vivido por Woody Harrelson. Suas trocas de “insultos” com citações de Ronald Reagan e Lênin à mistura, proferidas ao mesmo tempo em que constróem uma estranha parceria como se fossem a elite intelectual do navio, rendem tiradas como:
“O socialismo só funciona bem no céu, onde não precisam dele, e no inferno, onde já o tem”. Réplica: “A liberdade no capitalismo permanece a mesma que na Grécia Antiga – a liberdade dos proprietários de escravos”.
Na última parte (“A Ilha”) o que está em causa é o poder, abordado de uma forma mais direta através da história da faxineira asiática do iate – cujas circunstâncias a transformam numa toda-poderosa capitã. Essa inversão artificial dos papéis de comando (só credível enquanto alegoria, já que um grupo de famintos numa ilha deserta dificilmente se recusaria ao uso da força bruta para assumir o controle) vai dar num interessante “clímax” final, embora Ostlund opte por frustrar o espectador que seguia o filme mais como narrativa e menos como fábula.
Triangle of Sadness segue uma longa tradição artística de antipatia à burguesia mas, por estas alturas, talvez fosse mais interessante entender o mundo dos ricos – algo que poucos artistas parecem interessados em fazer. Curiosamente, ao preferir agendas vitimizatórias e paródias irrealistas, eles apenas reforçam a situação cómoda dos muito privilegiados – já que o seu verdadeiro modo de vida permanece oculto. A antipatia dos artistas se transforma num ato de rebeldia estéril.