Oscars 2023: será desta que Hollywood está mais aberta a inclusão e internacionalização?

Oscars 2023: será desta que Hollywood está mais aberta a inclusão e internacionalização?

Janeiro 25, 2023 0 Por admin
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Por André Gonçalves

A Academia divulgou ontem (24/01) os nomeados. A cerimónia dos prémios ocorre a 13 de março.

Num ano histórico para a diversidade mundial, incluindo a presença inédita de um filme português no lote dos nomeados (Melhor Curta-Metragem de Animação para Ice Merchants de João Gonzalez), será que podemos afirmar finalmente que a Academia de Hollywood está mais aberta do que nunca para a internacionalização e a inclusividade?

Por um lado, sim, é verdade que esta classe de nomeados de 2023 acentua ainda mais um padrão “internacional” que se começou a notar nos últimos anos (com a vitória de Parasitas a sinalizar mais do que nunca uma vontade de mudança): este é o quinto ano consecutivo em que pelo menos um filme e um realizador não anglo-saxónicos se conseguem infiltrar na lista dos dois prémios principais do certame – filme e realizador. 

A tendência pós-Parasitas tem sido inevitavelmente de olhar para uma classe de atores de origem asiática até então marginalizada, um registo que atinge o seu recorde este ano com a nomeação de Michelle Yeoh (aleluia!), Ke Huy Quan (o eterno “meia-leca” de Indiana Jones e o Templo Perdido) e Stephanie Hsu, todos estes pelo fenómeno de massas e crítica do ano Tudo em Todo o Lado Ao Mesmo Tempo, que lidera aliás a lista de nomeados. Um filme em si muito antiacadémico, observando para aquilo que encararíamos como “isco” tradicional – afinal de contas, podemos estar perante o primeiro “Melhor Filme” a incorporar um dildo anal na sua narrativa (e duas rochas falantes).

Tár

Hong Chau, há uns anos em conversação por Downsizing, de Alexander Payne, não deixou escapar desta vez a nomeação por The Whale, de Darren Aronofsky, um dos filmes “fénix” do ano para o seu ator principal, Brendan Fraser (um dos poucos americanos nomeado como ator). E Dolly De Leon terá ficado à porta da nomeação pela sua performance inesquecível como nova chefe de tripulação no terceiro ato de Triangle of Sadness (foto de abertura), consagração derradeira de Ruben Ostlund com a AMPAS. 

Este é também um ano recorde para primeiras nomeações de atores nas categorias de interpretação: apenas 4 dos 20 atores nomeados tiveram indicações no passado, e desses 4, apenas 2 (Cate Blanchett e Michelle Williams) tiveram nomeações nos últimos 29 anos (!). Angela Bassett vê finalmente a sua segunda nomeação por Black Panther: Wakanda Forever, depois de há 3 décadas atrás ter interpretado Tina Turner no “biopic” What’s Love Got To Do With It, e Judd Hirch aproveitou a perninha de Os Fabelmans para conseguir também a sua segunda nomeação e quebrar de fininho o recorde que pertencia a Henry Fonda de intervalo entre duas nomeações: 42 anos. Bassett deve ganhar o Oscar, até para salvar a Academia de outros pecados, que falaremos de seguida. 

Por outro lado, há ainda aqui sintomas contraditórios e irónicos que tudo isto é fogo de vista ou, então, mero fruto do acaso. Sarah Polley chegou a ser avançada como nomeada a melhor realizadora, mas perdeu o lugar para 6 realizadores masculinos. E, numa campanha inédita para a geração das redes sociais composta puramente por um boca-a-boca entre atores, Andrea Risenborough conseguiu furar uma fila que incluia duas mulheres negras (Viola Davis por The Women King e Danielle Deadwyler por Till). Se, por um lado, a sua inscrição premeia finalmente uma das atrizes mais interessantes que temos atualmente, por outro, torna inevitável a narrativa mediática da exclusão ser a predominante. Till e The Women King, dois filmes realizados por mulheres negras, encabeçados por mulheres negras, acabaram com… adivinharam, zero nomeações no total. 

Tudo em Todo o Lado Ao Mesmo Tempo

Sim, num mundo ideal, não deveríamos estar a pensar na cor da pele ou no género do artista pensando um sistema de premiações como um sistema de quotas. E, sobretudo, ter cuidado com ações de cancelamento que podem ser contraproducentes para a causa inicial. O filme mais fascinante e ambíguo da lista de nomeados (Tár, de Todd Field, estreia a 9 de fevereiro em Portugal) fala-nos, precisamente, sobre a cultura de cancelamento que pode surgir quando perdemos a separação entre arte e artista. Que o filme use uma personagem lésbica – historicamente marginalizada – para expôr a sua própria crise de valores e de abusos que no fundo é comum a qualquer mortal no topo é por si só mais celebratório que qualquer outra biografia musical bem comportada – que me perdoe aqui Elvis, de Baz Luhrmann, ainda assim a anos-luz do filme-fantoche que iniciou este movimento (Bohemian Rhapsody realizado por alguém de quem já não falamos, precisamente…).

Em jeito de conclusão: sim, Hollywood parece mais preocupada que nunca com as minorias, mas move-se como sempre se moveu – por um liberalismo de milhões, de quem dá mais no “marketing”, ou então de quem tem bons amigos  no seio académico (Risenborough). Dito isto, parabéns a todos os nomeados, sobretudo os estreantes e historicamente marginalizados – incluindo aos nossos fura-vidas João Gonzalez e Bruno Caetano. 

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