Oscars 2023: morte, guerra e rebelião na última versão de “Pinóquio”
Abordagem do cineasta mexicano Guillermo del Toro é grande favorita para o Oscar de Animação.
Três anos depois do bem-sucedido projeto do italiano Matteo Garrone e no mesmo ano de um grande fracasso de Robert Zemeckis a trabalhar com a Disney+, Guillermo del Toro achou mais coisas para dizer sobre essa história que já leva quase três dezenas de abordagens cinematográficas. A fantasia criada por Carlo Collodi em 1883 parece ter um apelo inesgotável – sendo um dos livros mais vendidos de todos os tempos e já traduzido em 260 línguas.
Uma das primeiras medidas tomadas por del Toro foi reduzir consideravelmente o tom dos contos de fadas e substituí-lo por um apelo direcionado ao realismo. O pano de fundo da ação desloca-se para o período das duas guerras mundiais – documentando a ascensão do fascismo italiano e a escalada para um novo conflito devastador.
A Morte em forma de centauro
Nesta versão Gepetto é um homem amargurado e alcoólico, nunca tendo recuperado da morte do filho de dez anos num bombardeamento da 1ª Guerra Mundial. Quando uma fada tenta ajudá-lo concedendo vida ao boneco de madeira que ele havia criado, Gepetto dificilmente vê aí uma oportunidade para se recuperar afetivamente – o “menino” é espontâneo e cheio de vida mas indisciplinado, irrequieto, mentiroso e não cessa de arranjar problemas.
Apesar do pano de fundo político, o foco é mesmo o relacionamento pai e filho e, concedendo um tom particularmente sombrio ao projeto como um todo, a morte e a transitoriedade. Pinóquio não é apenas alguém que tem de aprender o “caminho do bem”, mas a lidar com o facto de ser imortal (uma invenção surpreendente do filme são as frequentes visitas do boneco ao mundo dos mortos, onde conversa com a Morte em forma de centauro e voz de Tilda Swinton) e, com isso, ser obrigado a relacionar-se com o envelhecimento e o desaparecimento de todos aqueles com quem se relaciona.
Frankenstein
Del Toro também viu a oportunidade de contornar certos aspetos do livro de Collodi, tido como moralista e cujo objetivo é reprimir o espírito das crianças, que devem “portar-se bem” e submeterem-se à autoridade. O indomável e selvagem (ele troça de Mussolini em pessoa), o Pinóquio de del Toro vai escapando sempre aquilo que o prende e é através do espírito de rebelião aos ideais desviantes dos adultos que ele terminará por fazer aquilo que é certo.
Um dos aspetos mais interessantes da abordagem de del Toro foi assinalada pelo próprio, que observou uma curiosa semelhança temática entre a criação de Collodi e o “Frankenstein” de Mary Shelley, publicado em 1818 – uma vez que ambos têm uma mentalidade infantil e são trazidos à vida pelo engenho de figuras paternas que os rejeitam. Lançados no mundo por conta própria, terão de aprender sozinhos as qualidades que os tornam humanos. Poderia se acrescentar o caráter monstruoso que os tornam párias sociais em busca do afeto e do reconhecimento que lhes foram negado pelos seus pais.