Oscars 2023: “All Quiet on the Western Front” relança a pertinência dos filmes de guerra
A produção alemã da Netflix, nomeada a Melhor Filme mas mais forte candidata a Filmes em Língua Estrangeira, seria apenas uma ficção histórica não fosse a tragédia de uma guerra verdadeira a ocorrer não muito longe do local onde foi filmada (Praga, na República Checa). É a História a repetir-se – no que tem de pior.
Guerra de trincheiras
Ainda no mundo real, mais de 100 anos antes um jovem estudante foi mandado para um conflito para o qual soldados muito novos marchavam a cantar e a assobiar. Uma vez no terreno, particularmente no “front” das linhas construídas em território francês nas proximidades da fronteira entre França, Bélgica e Alemanha, poucos motivos havia para celebrar: a 1ª Guerra Mundial é o palco por excelência da utilização da guerra de trincheiras – onde valas escavadas permitiam à linha de defesa uma maior eficácia contra a a agressão do inimigo. O resultado está exposto nos créditos finais do filme: em quatro anos, milhões de soldados morreram, sem que a linha fronteiriça tivesse sofrido qualquer avanço significativo.
O jovem em questão era Erich Maria Remarque e o que viu foi suficientemente horrível para que ele transformasse o seu trauma pessoal num dos maiores clássicos da literatura mundial – o livro com o título homónimo. Como uma espécie de ironia trágica, foi publicado em 1930 – praticamente a meio entre o fim da 1ª Guerra Mundial e o início da 2ª. Apenas três anos depois de lançado, o hino pacifista de Remarque seria banido pela barbárie nazi.
A echarpe de Eloise e o sórdido Hindenburg
A história transformada em filme por Edward Berger gira em torno de quatro jovens enviados para as trincheiras (de relevo são os discursos motivacionais) e o restante são as vicissitudes da guerra. Nesta conjugam-se novas formas de filmar cenas de batalhas, reunindo uns tantos momentos memoráveis, e a brutalidade psicológica do conflito – no qual se testemunham os laços de amizade a serem minados aos poucos pelas violência implacável do inimigo e onde se acentua o contraste entre a imundície claustrofóbica do palco de guerra com a limpeza e os amplos e tranquilos espaços onde as decisões eram tomadas.
Um dos jovens alemães consegue, no entanto, uma outra conquista – passar a noite com uma jovem francesa, da qual traz uma echarpe. Simbolicamente, a peça que lhe foi entregue pela desconhecida Eloise irá mudar de mãos ao longo das desgraças e figurará na última cena do filme como um símbolo da juventude, do romance e do desejo negados negados a estes garotos. O final, baseado numa sórdida decisão de Hindenburg (não por acaso ídolo dos primeiros tempos do nacional-socialismo “hitleriano”) é dilacerante.
A caminho da barbárie
No mundo real a continuação deste enredo (abordado no filme num acrescento relevante em relação ao livro e que mostra a humilhação dos alemães na mesa de negociações) é outra triste história: o agressivo acordo que os alemães serão obrigados a assinar no Tratado de Versalhes será pólvora absoluta durante a República de Weimar – a forma política como os alemães se organizaram com a abdicação do Kaiser.
Nos dias convulsos que seguem à chegada ao poder de um governo socialista e republicano, o Tratado vai oferecer sempre farta munição na mão dos nacionalistas. Hitler será um dos ardentes defensores da tese dos “traidores de Versalhes”; quando chegou ao poder, em 1933, o mundo europeu estava novamente a caminho da barbárie.