Os crimes da ditadura de 64: o sinistro “professor” de tortura

Os crimes da ditadura de 64: o sinistro “professor” de tortura

Novembro 7, 2021 0 Por Roni Nunes
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Uma das mais conhecidas frases do atual presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, foi a de que o erro da ditadura instalada após o golpe de 64 foi “torturar e não matar”. Para além da leviandade e da insensibilidade do costume, a ideia desconsidera outra questão: a das consequências dos violentos métodos de tortura do Departamento de Ordem Política e Social (DOPS) nos sobreviventes.

Até porque com a chegada de Dan Mitrione, enviado pela CIA ao Brasil para ajudar a compor mais um dos sórdidos capítulos da Guerra Fria, a tortura foi retirada do amadorismo de um qualquer carniceiro para se tornar “ciência”. Ou, como dizia o agente, “a dor certa, no lugar certo, na quantidade certa, para o efeito desejado”.

Como reflexo da típica eficácia “yankee”, o professor vinha amparado em sólidos estudos – mais precisamente os contidos nos Manuais Kubark, sigla que significava simplesmente um codinome para a própria CIA. Estes nada mais eram do que os guias largamente utilizados por torturadores onde fosse necessário e que indicavam métodos testados para produzir os tais “efeitos desejados”. Os Manuais incluíam os infames estudos do projeto Mkultra, experimentos científicos levados a cabo sob a chancela do primeiro presidente da Central de Inteligência Americana, Allen Dulles, que utilizavam uma vasta quantidade de cobaias humanas para os mais variados experimentos.

Também Mitrione precisou de cobaias – afinal o seu curso era de ordem prática. Na falta de melhor, mendigos recolhidos das ruas de Belo Horizonte, o primeiro posto no Brasil do agente, instalado em 1963, e local de origem do golpe de 64, serviram para propósitos de demonstração. Dos métodos mais eficazes eram, certamente, os eletrochoques dispostos nos genitais. O cardápio certamente era mais vasto e incluía fios elétricos sob as unhas,queimaduras de cigarro e lento estrangulamento – entre outros. Se o infeliz desmaiasse, umas vitaminas o punham em pé novamente; se viesse falecer, seu corpo voltava para o lugar de onde tinha vindo – a rua.

A vida “boa” de Mitrione teria um fim abrupto depois de rumar, para cumprir os desígnios do seu governo, no Uruguai – na altura a lidar com os seus próprios insurretos: num raro episódio de justiça histórica, terminou baleado na cabeça pelos Tupamaros. 

Não que a sua existência, objeto de uma das obras-primas de Costa-Gavras, Estado de Sítio (foto acima, onde é vivido por Yves Montand em filme a ser brevemente analisado por aqui) tenha sido vã: tratado como patriota no governo de Nixon, teve funeral de estadista e homenagens de Frank Sinatra e Jerry Lee Lewis…