“O Sol do Futuro”: crítica ao novo filme de Nanni Moretti

“O Sol do Futuro”: crítica ao novo filme de Nanni Moretti

Outubro 6, 2023 2 Por admin
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Por André Gonçalves

Nanni Moretti regressa ao seu passado – à sua Itália, à sua esquerda, ao seu cinema e ao cinema dos outros que o motivou a fazer diferente – para nos falar sobre o presente e o potencial futuro da nossa sociedade de consumo audiovisual, cada vez mais refém dos algoritmos “inteligentes” dos serviços de “streaming”. Uma visão tragicómica, pessimista se sempre aligeirada e embelezada com a canção italiana – ou não fosse esta uma carta de amor destinada sobretudo a um público que declara há décadas a morte da sétima arte. 

O cineasta, que completou 70 anos no passado mês de agosto, não leva ninguém ao engano com uma surpreendente sequência-título de abertura que espelha muito bem o tom de luta política que se seguirá na hora e meia seguinte. Moretti tem os dentes caninos afiados e apontados sobretudo para a Netflix e para o cinema de ação de pacotilha. São alvos relativamente fáceis, é certo, mas que o realizador consegue aqui e ali gerar as desejadas gargalhadas que tanto elevaram o seu ego e a sua motivação para fazer mais ao longo destes já 50 anos de carreira (a sua primeira curta-metragem data, precisamente, de 1973). 

E, desta feita, as gargalhadas vêm desta vez também pela contradição sob a qual se coloca, ao criticar as películas cada vez menos originais e a necessidade de momentos “WTF” (“c’um c******!) quando “O Sol do Futuro” não está livre de cair também numa certa rotina de autor e onde momentos insólitos não faltam. Há aqui claramente bem mais do que uma piscadela a “Querido Diário”, para muitos o seu ponto mais alto – começando pelo próprio tom autobiográfico e metanarrativo, substituindo a Vespa por trotinete na procura por inspiração por locais e mesmo na reutilização do “gag” com a crítica ao crítico de cinema (aqui estendido para uma pequena lição de cinema à geração dos “smartphones”).

Porém, pesando toda essa reverência extrema por um cinema do passado que inclui o da sua própria autoria, e mesmo com a trama a poder ser entendida como sendo acima de tudo sobre a Morte (do Cinema, de um certo Comunismo, do próprio cineasta que inicia o seu próprio inverno existencial etc.) – como é dita em voz alta por uma das personagens – há de facto uma luminosidade neste “Sol” que encandeia e nos orienta em queremos fazer diferente, uma humanidade palpável nas suas falhas, que convida a juntar-nos aos seus camaradas cúmplices de serviço. 

Parece que mesmo com o ego em alta, Nanni Moretti mostra-se com vontade de dialogar e fomentar aqui finais mais positivos para esta nova crise cultural (e política, claro está…).