“Loving Highsmith”: documentário foca em aspetos menos áridos da criadora de Tom Ripley
Numa bela cena encontrada em Carol (Todd Haynes, 2015), Cate Blanchett ilumina o ecrã com um sorriso disparado a partir da mesa de um restaurante quando ela vê entrar a amante que imaginava nunca mais ver.
O filme é uma adaptação de um romance escrito “às escondidas” por Patricia Highsmith em 1952, logo depois do êxito do seu romance de estreia, Strangers on a Train, a base do clássico homónimo de Alfred Hitchcock (O Desconhecido do Expresso Oriente, pt, Pacto Sinistro, br). “The Price of the Salt” só 38 anos depois, quando a escritora tinha 69 anos, seria reeditado com o título de “Carol” e ela assumiria a sua autoria. Nos anos 50 foi o primeiro livro onde homossexuais encontravam um final feliz.
No documentário “Loving Highsmith”, a cineasta helvética Eva Vitija ficou seduzida pelos diários da escritora, nascida no Texas em 1921 e falecida na Suíça em 1995, que deixou cerca de 800 páginas de reflexões nunca publicadas.
A criadora de Tom Ripley, o personagem de cinco romances que foi encarnado no cinema pela última vez por Matt Damon na versão de 1999 (O Talentoso Mr. Ripley), para além de inspirar também o enigmático O Amigo Americano, de Wim Wenders, surge focada, principalmente, na sua homossexualidade e nos depoimentos de algumas das suas parceiras.
Nascida numa terra e numa época previsivelmente muito pouco acolhedora para LGBTs, Highsmith, a viver em Nova Iorque desde os seis anos e com uma mãe nada compreensiva, ocultou durante muitos anos a sua homossexualidade – frequentando bares discretos e terminando por exilar-se na Europa. Não sem antes tentar algumas experiências, que viria a descrever como desagradáveis, para se relacionar com homens.
As escolhas de Vitija distanciam o espectador de alguns tópicos ligados à biografada, como o seu alcoolismo, a misantropia e, especialmente no final da sua vida, muitos escritos contra os afrodescendentes americanos e os judeus. A cineasta opta poe buscar depoimentos de algumas das parceiras da escritora, como Marijane Meaker, a primeira autora a inserir temas lésbicos na literatura “pulp” dos anos 50.
No que concerne à sua obra, Highsmith negava o rótulo de escritora de “mistérios”, e quando analisa o próprio personagem de Ripley, disse ser uma “escritora sobre a culpa” – a do sofrimento provocado por ela ou pela ausência dela – caso de Ripley, “que se safava sempre e sempre continuaria a safar-se”. Por outras palavras, apesar de ser um criminoso, torna-se evidente que a personagem a fascinava por se ver livre daquela que é a mais notória causa de sofrimento de toda a civilização ocidental.