IndieLisboa 2022, os filmes: “Returning to Reims (Fragments)”
Com ampla recorrência a registos audiovisuais e uma narrativa em “off” de Adèle Haenel, o filme de Jean-Gabriel Périot conta, sob um ângulo assumidamente de esquerda, a história da classe operária francesa.
Returning to Reims (Fragments) é um filme de ideias, não de sugestões, por isso cabe ao espectador pôr o seu sentido crítico a funcionar enquanto envolve-se na teia ininterrupta de asserções, historietas contadas por Haenel e as misérias do extrato mais baixo da sociedade francesa.
Não há muito o que pôr em causa no “Primeiro Movimento”, conforme a divisão proposta no filme: navegando pela História a partir dos anos 40, Périot retrata através de arquvios com testemunhos da época, para além dos autobiográficos do autor do livro homónimo que serviu de fonte (de Didier Eribon), e algumas interpretações precisas sobre os mecanismos de opressão em curso.
Mas quando os anos 60 iniciam também começam os problemas do filme, que falha ao não reconhecer (ou não admitir…) que houve um salto enorme dos franceses (tal como dos portugueses ou do que é hoje a classe média brasileira) para um estatudo sócio-económico infinitamente superior – e onde a grande força revolucionária, como disse o filósofo Gilles Lipovetsky, foi o CAPITALISMO.
A verdade é que, nesta era de pleno emprego, milhares de franceses deixaram de ser os proletários exaustos de fábricas imundas e de direitos precários para transformarem-se numa difusa “clase média” na medida em que os serviços tomaram o lugar da indústria como principal fonte de receitas dos países – para não falar de outros tantos que conseguiram singrar como empreendedores.
Por isso ficou também “capenga” a análise de Périot sobre a ascensão da extrema-direita e a mudança de foco no centro do debate: os trabalhadores que “viam nos imigrantes gente que vivia ainda pior que eles” obscurece o facto de que muitos franceses não vivem “menos pior”, mas muito melhor – e tornam-se, muitas vezes, os patrões das pessoas que vêm de fora.
Por isso, insistir em chamar de “classe trabalhadora” a massa de gente dispera que vai hoje às ruas pelos mais diferentes motivos (“os franceses hoje acham que não ter dinheiro para ir a Tailândia é uma violação aos seus direitos básicos”, diz Lipovetsky) e que, muitas vezes nem se reconhecem nesta palavra, é, no mínimo, uma imprecisão.
O cineasta termina o seu filme em tom proselitista: na mesma medida em que embeleza os movimentos de rua do século XXI com uma banda sonora de guitarras “rockers”, fornece, através de Haenel, um discurso onde pretende achar rumos para uma nova esquerda. Ela bem precisa – tal como todo o mundo ocidental hoje sobrecarregado pelos excessos do neoliberalismo.