IndieLisboa, 2022 os filmes: “Laurent Garnier: Off the Record”

IndieLisboa, 2022 os filmes: “Laurent Garnier: Off the Record”

Maio 25, 2022 0 Por Roni Nunes
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No final dos anos 70 a música eletrónica fazia grandes viagens ao redor do mundo: podia vir da Alemanha uma sedutora viagem espacial ou um violento “insight” mundo da robótica tornada “pop” (os Kraftwerk e o seu “The Man Machine”, de 1977), ou os ainda mais “pops” destinos da eletrónica com os japoneses do Yellow Magic Orchestra de Riyuchi Sakamoto. Das velhas experiências da vanguarda (Schaeffner, Cage, Stockhausen) e do “rock” (Can, New) para todo um mundo de novas possibilidades.

Algumas delas foram parar à cave de uns jovens negros de Detroit – cidade onde, nos seus percursos alternativos, perseveravam um curioso apego por imagens futuristas. Segundo um dos seus pioneiros, presença no filme, Derrick May, vindo do pós-industrialismo numa cidade onde os robôs atiravam milhares de pessoas para o desemprego. Eles um dia visitaram Chicago, onde os rastos da desvanescente “disco music” deixavam as suas próprias assinaturas – a “house music”.

Há mais: muito longe dali, Manchester, uma zona de aparentemente interminável criatividade que pegaria nas heranças do “pós-punk”, consagraria uns tantos mundialmente (The Smiths, New Order etc) e, mais insuspeita, teria na casa Haçienda uma fonte onde o “rock indie” cruzaria com os “bits” para um sem-número de inovações.

Todos esses caminhos vão dar a Roma – ou seja, a Laurent Garnier, cujo começo advindo da imigração de França para Inglaterra era curioso e o apresentava como mordomo da embaixada em Londres. Música de reciclagem (sem tom pejorativo) por excelência, tudo o que veio antes vai parar à discoteca da Garnier – que, amparado na produção do filme que lhe é dedicado, revisitará em viagem o caminho dos que antecederam o DJ – que no final dos anos 90 já era referência mundial.

A herança da contracultura

A grande política, aquela de cima para baixo, tem medo do coletivo – e é bem possível que na era do Covid e dos Smarphones tenha conseguido que sempre sonharam as elites de todos os tempos: a desagregação absoluta da comunidade e o fim da ameça coletiva. Nos anos 80, o projeto em curso da sinistra dupla Reagan / Thatcher, também apoiado num vírus, aliás, ainda lidava com os farrapos dos sonhos libertários da contracultura quando são os clubes a pegar na velha herança do “rock”. “O projeto de Margaret Thatcher era desagregar”, comenta um jornalista inglês no filme.

Em França, um país muito mais autoritário do que muitas vezes parece, as “raves” começaram a incomodar por volta dos anos 90 – onde os DJs arrastavam multidões para acampamentos clandestinos. Enquanto imprensa e polícia tentavam diabolizar tudo, a rebeldia manteve-se até a aceitação.

Ecos de liberdade que atravessarm as fronteiras da Europa e foram dar ao Cáucaso. Garnier testemunha o facto em primeira mão: visita Tibilisi, capital da Geórgia; a festa foi interrompida por 250 agentes da polícia; durante 48 horas a “rave” continuará em frente ao Parlamento simbolizando a luta por liberdade.

No todo, Laurent Garnier: Off the Record acaba por funcionar como um dinâmico panorama da evolução do mundo dos DJs, tendo como centro a figura humilde (“o oposto do ‘rock star’, diz a sua empresária) de Garnier, que até vai à uma escola participar de um evento de música eletrónica junto das crianças.