IndieLisboa 2022, os filmes: Kandisha
Em tempos em que as demandas sociais são determinantes no conteúdo dos filmes, as peças parecem dispostas no jogo de Kandisha sem maiores sobressaltos. Três jovens mulheres de uma França multicultural apossaram-se de uma velha “arte” masculina (o grafiti) para os seus tempos livres. Uma delas é negra (Suzy Bemba que, aliás, já está escalada para o novo filme de Yorgos Lanthimos), a outra é árabe (Samarcande Saadi) e uma terceira é branca (Mathilde Lamusse). Caberá a esta última a temerária façanha de conseguir invocar um peçonhentro demónio vingativo depois de ter sido vítima de agressão por parte do ex-namorado.
Assim, vindo de ninguém sabe de onde, Aisha Kandisha (Mériem Sarolie) não é apenas uma justiceira feminina, mas também emerge das areias do Marrocos o fantasma do colonialismo – e os portugueses até aparecem mencionados por lá por sua tentativa de invasão de Ceuta. Mas se os beligerantes são identificados sem supresa, as “ladies” terão que se a ver com uma “aliada” que rapidamente sai fora de controlo e começa a matar quem não deve.
Sem nunca deixar de circular em territórios conhecidos dos “slashers” e das bruxarias com pentagramas, velhos sábios, círculos invocatórios etc, Alexandre Bustillo e Julien Maury parecem buscar na simplicidade da fotografia esmaecida das ruas de uma cidade interiorana uma identidade que parece ter lhes começado a escapar desde o clássico absoluto do “french extreme horror”, Inside.
O subestimado Livid, que vinha logo a seguir, continha uma bela dose de poesia para compensar o que já se denunciava como um estilo “pesado” da dupla enquanto contadores de histórias (sintomaticamente Inside era um longo duelo em cenário único) – algo que tentaram compensar com doses massivas de violência em, por exemplo, Among the Living. Em Kandisha, as amostras de brutalidade não são particularmente surpreendentes, mas vão de encontro à uma simplificação que pode fazer esperar, ainda assim, pela nova cartada da dupla.