IndieLisboa 2022, os filmes: “A Viagem de Pedro”
Não é certo que muita gente tenha reparado, mas o pénis compõe, de forma literal e simbólica, o centro deste olhar feminino sobre a figura de D. Pedro (D. Pedro I, no Brasil, IV, em Portugal, vivido por Cauã Reymond). Sempre atrelado a algo desagradável (doença, adultério, violência, machismo, impotência), o órgão sexual dos homens brancos (não esquecendo a agenda racial…) protagoniza essa construção histórica onde Laís Bodansky, do igualmente feminista, mas menos panfletário, Como Nossos Pais, passa a ideia de estar a promover uma espécie de “vendetta” castratória (a impotência do protagonista) contra o símbolo de um “status quo” que despreza. O principal desajuste dessa conceção é a de que não escolheu a figura histórica certa.
O enredo gira em torno da viagem que D. Pedro faz a Portugal em 1831 quando, nove anos depois de ter declarado a independência, caiu politicamente em desgraça. No seu país natal, por seu lado, aguarda-o uma guerra civil contra o seu irmão, D. Miguel. Entre memórias repletas de remorso, angústia pelo futuro e desespero pelo presente (está sexualmente incapaz), a claustrofobia do navio intercala-se com as tempestades do oceano. Há boas elipses e interessantes artifícios de montagem, para além da entrega de Cauã Reymond.
Não há, obviamente, nenhum problema com o facto de a cineasta propor uma outra leitura sobre essa personagem de extaordinária riqueza histórica – por encontrar-se, justamente, na encruzilhada de duas nações vivendo momentos decisivos (o Brasil a construir-se enquanto nação, Portugal no meio da batalha campal entre o fossilismo monárquico e o liberalismo regenerador). Para Bodansky, importa muito mais que ele tenha enfileirado aventuras sexuais sem ligar aos sentimentos das madames (e ser duramente punido por isto) do que as vicissitudes políticas que o envolviam.
O problema é que, na ânsia de enquadrá-lo de forma tão dogmática nas demandas moralistas do século XXI (e na sua própria sensibilidade feminina, certamente), a realizadora comete exageros e pinta demasiado preto-no-branco uma conjuntura que é, por natureza, cinzenta. Afinal será o liberalismo que D. Pedro representava, por exemplo, que sacudirá os pilares fossilizados do regime patriarcal que ela critica, mas Bodansky reduz tudo à uma lógica esquemática de telenovela, onde vítimas e algozes obedecem à uma categorização simplista baseada em género e cor.
Por fim, ainda comete injustiças baseadas em desconhecimento histórico, como é o caso da vitória conquistada sobre D. Miguel. De suma importância para a trajetória de Portugal no século XIX (e que, aliás, pôs uma mulher no poder) ela aqui é tornada irrelevante para assegurar o enquadramento de D. Pedro como símbolo do seu tão odiado patriarcado