IndieLisboa 2022: de Patti Smith a Cesaria Évora – o IndieMusic
O festival decorre entre 28/04 e 08/05 e tem como espaços principais os cinemas São Jorge e Ideal, a Cinemateca Portuguesa e a Culturgest.
Como sempre o IndieMusic é das mais apetecíveis seções do IndieLisboa. No total, 14 filmes viajam pelo globo e por diferentes estilos. Popularmente o mais familiar é o “rock” e Patti Smith fará as honras do grande destaque. Mas outro dos filmes mais promissores é a visita que o cineasta senegalês de Felicité, Alain Gomis, fez aos arquivos da TV estatal francesa para desencantar uma elucidativa peça com Thelonius Monk. O resultado está em Rewind and Play.
Nova Iorque: 1967-2001
Patti Smith – Electric Poet inicia nos primeiros tempos da futura ícone do “underground” nova-iorquino – ironicamente criada na zona rural de Nova Jérsei e tendo uma mãe Testemunha de Jeová! Talvez por isso uma das suas mais célebres tiradas já numa selvagem Nova Iorque que assistirá a reveleação dos seus talentos seja… “Jesus morreu pelos pecados de outras pessoas, mas não pelos meus (…) eles pertencem a mim” (“Gloria”, faixa de abertura de “Horses”).
A seção do filme de Patti Smith será feita em conjunto com Songs for Drella – que termina por reunir uma espécie de quadrilátero supremo do “underground” da Big Apple. Rodado em 1991 pelo experiente Ed Lachman (diretor de fotografia com uma longa folha de serviços prestados a grandes realizadores), cristaliza a execução, no Brooklyn Academy of Music, do álbum lançado em 1990 por Lou Reed e John Cale em homenagem a Andy Warhol – falecido em 1987.
Numa gigantesca elipse, Nova Iorque esteve novamente no centro de outros acontecimentos no século XXI. Em Meet me in the Bathroom uma longa lista de bandas criativas e queridas do público alternativo saltam das páginas de Lizzy Goodman, que celebrava a volta do “rock’n’roll” no seu livro homónimo e ganham as imagens. Estão lá gente dos Strokes, LCD SoundSystem, Interpol, TV on the Radio e Yeah Yeah Yeahs, entre outros.
Ainda no universo “indie”, uma viagem a Austrália foca o mundo intimista de Courtney Barnett (Anonymous Club) enquanto no mundo de “leading ladies” Sinéad O’Connor, a bipolar e indiossincrática cantora irlandesa cujo auge de popularidade esteve entre o final dos 80 e início dos 90, surge em Nothing Compares – passado precisamente nos cinco anos deste período (1987-1992).
Thelonius Monk
O cineasta senegalês radicado em França Alain Gomis, consagrado em 2017 com o seu Felicité, tropeçou numa entrevista de 30 minutos concedida por um dos monstros do “jazz”, Thelonius Monk, em 1969. Com um golpe a mais de sorte, o cineasta verificou que o “antes” e o “depois” das gravações foram também mantidos por alguma razão insuspeita.
Assim, em Rewind and Play ele conseguiu, mais do que apenas uma conversa do sempre volátil Monk (teorias hoje falam em doença bipolar ou esquizofrenia não diagnosticada), recriar o ambiente de estereotipos em torno da estrela do “jazz” – que envolvem, por exemplo, a ideia de que o músico guardava o seu piano na cozinha por idiossincrasia. “Isso não se devia ao facto de ser um génio, mas de não ter dinheiro suficiente para ter um apartamento com uma sala grande para albergar um piano!”, revela Gomis.
Portugal
A música vanguardista dá o tom de dois dos quatro filmes portugueses a figurar na seção. Dos mais interessantes será Sonosfera Telectu, onde o foco recai sobre três décadas de história dos Telectu, uma das mais importantes agremiações experimentais lusas e responsáveis uma assinalável discografia com muitas “tours” internacionais.
No horizonte da música clássica vanguardista é Carlos Zíncaro a merecer de Inês de Oliveira uma abordagem sobre a sua obra (A Escuta). Batida Apresenta: the Almost Perfect DJ, é uma curta-metragem que oferece um passeio pelo circuito noturno lisboeta, enquanto Cesaria Évora mergulha igualmente em arquivos para contar a história da cantora cabo-verdiana que conseguiu ultrapassar fronteiras e veio a receber consagração internacional.
Dançando com europeus
Um dos aspetos da notória, peculiar e, na maior parte das vezes, comercialmente bem-sucedida antropofagia cultural italiana foi a “italo-disco” – uma recriação autóctone dos originais “yankees”. O resultado foi uma série de nomes famosos na primeira metade dos anos 80 (La Bionda, Sabrina etc.) e uma influência no “pop” que ultrapassou fronteiras. Italo Disco: The Sparkling Sound of the 80s, aparentemente, não se leva muito a sério na hora de contar essa história.
Caso diferente é o de Laurent Garnier: Off the Record, que traça de forma dinâmica um panorama sobre os rumos da música eletrónica desde o final dos 70. A figura de Garnier serve como um eixo que interliga lugares tão distantes como a tríada Detroit-Chicago-Nova Iorque e Tbilisi, na Geórgia – passando, claro por Manchester e o seu mítico Hacienda e a França das “raves” que importunaram a vida das autoridades nos anos 90.