História do “rock”: o “single” mais valioso do mundo

História do “rock”: o “single” mais valioso do mundo

Setembro 26, 2022 0 Por Roni Nunes
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Num dia gelado numa grande cidade inglesa, corria 1958 e a febre do “skiffle”, e um grupo de cinco jovens  entrou num estúdio caseiro, nas traseiras de uma loja de discos e artigos elétricos, para aquela que seria a sua primeira gravação. Jovens e amadores, alguns deles estavam a fazer gazeta na escola e nem sequer sabiam o que gravar para o lado B do disco – justamente aquele que estabeleceria a glória retrospetiva da gravação.

O disco resultante da sessão acabou por desaparecer e foi esquecido; três dos artistas em questão tornaram-se celebridades anos mais tarde e a gravação reapareceria a caminho da Sotheby’s para leilão 23 anos depois. Não acabaria aí: interceptado no processo por um dos envolvidos, é hoje citado como o item de colecionador mais caro do mundo – avaliado em 200 mil libras.

Tudo aconteceu em Kensington, um bairro imediatamente a leste do centro de Liverpool. Percy  Phillips, um empresário especializado em baterias elétricas, mudou de ramo no final da 2ª Guerra Mundial e, em 1955, adquiriu equipamentos em Londres para estabelecer nas traseiras da sua loja um pequeno estúdio.

Por estas alturas, apareciam por lá desde homens apaixonados a gravar canções para as suas “ladies” até crianças a tocar instrumentos sob o olhar dos pais – passando por artistas locais, como atores a declamar poemas. Mas os músicos, claro, também por lá circularam: foi o caso de Billy Fury, ícone do Mersey Beat, que fez aí os seus primeiros registos – mais tarde enviados ao empresário que os lançaria profissionalmente.

Nestas instalações precárias, na qual constava um microfone vindo do teto e onde cortinas e carpetes eram usados para tapar os ruídos vindos da rua, um dia entraram cinco rapazes determinados a fazer uma gravação. Estavam decididos que o lado A seria uma homenagem ao seu ídolo Buddy Holly; assim, um certo John Lennon cantaria “That’ll Be that Day”.

Mas o que ficaria para a grande história do “rock’n’roll” estava no lado B – embora John e o seu parceiro, Paul McCartney, não soubessem sequer que música gostariam de gravar. Enquanto Percy pressionava de um lado, dizendo que por meia dúzia de tostões eles não tinham o dia todo e, muito menos, tempo para ensaiar, as confabulações entre os dois foram dar a “In Spite of All Danger”, uma pequena composição de acento “country” de McCartney fortemente inspirada em “Tryin’ to Get to You”, canção presente no primeiro álbum de Elvis Presley lançado dois anos antes. O pianista John Lowe e o baterista Colin Hanton, os outros membros dos Quarrymen presentes na sessão, nunca tinham ouvido falar de tal música.

George Harrison, por seu lado, contribuiu com o solo e foi creditado como compositor – curiosamente a única parceria entre Harrison e McCartney – uma vez que a trajetória dos Beatles será marcada, como se sabe, pelo carimbo Lennon/McCartney intercalado por eventuais contribuições solitárias do guitarrista solo.

Os rapazes entregaram cerca de 15 xelins a Percy, mas a quantia não foi o suficiente para que eles levassem para o casa o “single”: dias mais tarde, alguém veio pagar o restante e buscar o disco; o combinado foi que cada um ficasse uma semana com ele. Aparentemente, o objeto perdeu-se e quem o encontrou foi o pianista Lowe, 23 anos depois…

A estas alturas, em 1981, os “fab four” já tinham terminado de virar o mundo de cabeça para baixo há 11 anos, John Lennon já engrossava as fileiras de pacifistas assassinados e Lowe preparava-se para leiloar o artefato quando ninguém menos que Paul McCartney, encantado com a sensação de ver a “vida passar a sua frente” ao lembrar esses tempos longínquos onde uns garotos fizeram gazeta para ir a um estúdio gravar um canção, comprou de Lowe o “single” por uma quantia nunca divulgada. Depois de contratar uma equipa de especialistas para remasterizá-lo, mandou fazer 50 cópias para distribuir aos amigos no Natal.

Hoje o “single” está avaliado em 200 mil libras. Uma vez que é o próprio McCartney que o detém, talvez seja mais fácil aos interessados tentar a sorte com uma das 50 cópias que ele mandou fazer – avaliadas cada uma em 10 mil libras!