História do “rock”, 1960: entre a morte do “rock’n’roll” e invasão britânica, 15 músicas essenciais
As centelhas da explosão do “rock´n´roll” a partir de 1955 começaram a extinguir-se no final da década; surge um período de entressafra até que a Beatlemania reacendeu a chama e influenciou a formação de uma nova música. O mais interessante, por estes tempos, vinha do “blues”, do “rhythm & blues”, do revivalismo “folk” e, para efeitos de história do “rock” mais tradicional, das bandas amadoras que garantiram com espontaneidade e espírito juvenil o universo da música instrumental – mais tarde fundindo-se com a “surf music”.
15 ELVIS PRESLEY “It’s Now or Never”
Em 1960 os quase 1500 quilómetros que separam New Jersey do Tennessee foram integralmente preenchidos por multidões que acompanhavam o trajeto de Elvis Presley de volta à casa – depois de dois anos a serviço do exército que incluiu uma estadia na Alemanha. Embora uma das mais bem-sucedidas da espantosa carreira popular de Elvis, “It’s Now or Never” dificilmente é dos seus melhores momentos “rock” – cuja melodia ia buscar a sua base na tradiconal música napolitana do início do século que inspirou “O Sole Mio” (popularizada nos anos 50 pelo astro “hollywoodiano” Mario Lanza). O álbum deste ano, aliás, “Elvis Is Back”, trazia muito pouco dos ritmos com os quais ele havia incendiado o mundo quatro anos antes – como que testemunhando ele próprio esse período de entressafra.
14 JOAN BAEZ “Silver Dagger”
O primeiro álbum profissional de Baez dava seguimento à uma cena “folk” já existente e, dois anos antes da estreia de Bob Dylan, ainda gravitava fora dos hinos de protesto e das canções autorais que seriam celebrizados num futuro próximo. Por estas alturas, a bela voz da cantora servia para temas alheios à política – girando em torno de antigos “standards” do folclore anglo-saxão/escocês. Essa seria a via seguida nos seus próximos quatro lançamentos. Ela logrou aqui alcançar um “disco de ouro” com uma gravação precária num hotel da Broadway com dois microfones – uma para sua voz e outra para a sua guitarra. De ascendência hispânica, logo seria encontrada entre as grandes marchas de protesto dos 60s – particularmente na dos Direitos Civis junto a Martin Luther King, para além de formar com Dylan uma das parcerias icónicas destes tempos.
13 EDDIE COCHRAN “Cut Across Shorty”
Simbólica por ser a última música gravada por Cochrane antes do acidente fatal que teria em abril de 1960. A estas alturas ele tinha apenas um álbum gravado, merecendo a seguir da EMI uma coletânea – rebatizada de “Eddie Cochrane” após a sua morte. Para além dos seus clássicos, apresentava duas novidades – além desta o “single” “Three Steps to Heaven”. Como uma espécie de James Dean do “rock”, a sua morte prematura ajudou a eterniza-lo depois de ter seduzido milhares de jovens com a encarnação da rebeldia adolescente. “Cut Across Shorty” mereceu diversas versões – entre as quais um “megahit” em francês de Johnny Halliday e duas de Rod Stewart – uma com mais de seis minutos e uma forte sessão instrumental para o seu álbum de 1970 e outra para o seu “unplugged” dos anos 90.
12 CHUCK BERRY “Let it Rock”
Um dos mais populares mestres do “rock’n’roll” ainda gozava de grande estatuto quando lançou este “single”. Embora sem ser particular inovador (os solos rasgados decalcados de “Roll Over Beethoven” para cristalizar o cruzamento com “Johnny B. Goode” no restante), é um grande “standard” do velho “rock´n´roll” – que mereceria uma vibrante versão dos Rolling Stones 11 anos depois no que viria a ser o lado B de “Brown Sugar”. Foi incluída no quarto álbum de Berry, lançado no mesmo ano, “Rockin’ at the Hops”. A partir de dezembro, no entanto, o artista enfrentaria tempos difíceis depois de ser acusado de ter cruzado a fronteira com uma jovem de 14 anos. Ele tentou diversos apelos, onde o acusava os tribunais de racismo, mas isto não ajudou: entre 1961 e 1962 acabou por ficar mesmo na cadeia durante um ano e meio.
11 BO DIDDLEY “Road Runner”
Entre as famosas criações de Chuck Jones, o homem dos “Looney Tunes”, está o Papá-Léguas (“road runner”, no original) – cujo “beep beep” foi pego emprestado por Bo Diddley para o seu famoso “single” de 1960. O músico chegava no dealbar da nova década com uma carreira prolífica – tendo emplacado alguns “hits” assinaláveis no apogeu do “rock’n’roll” – entre os quais “Bo Diddley” e “Who Do You Love?”. Uma muito entusiasamada Checker Records, subsidiária da Chess, lançou nada menos que 11 álbuns do cantor entre 1958 e 1963 – e o ano de 1960 viu três deles. “Road Runner” foi a faixa de abertura e o grande sucesso do segundo destes álbuns, “Bo Diddley in the Spotlight”.
10 FIREBALLS “Vaquero”
Clovis é uma pequena cidade do Novo México cuja população não chega a 40 mil habitantes. Para a história do “rock’n’roll”, no entanto, escreveu algumas linhas sólidas a partir do estúdio de Norman Petty – ainda hoje existente e transformado em museu. Por lá podem ser apreciados instrumentos usados por Buddy Holly, antes da sua morte prematura em 1959, e Roy Orbinson. Quem também circulou nas redondezas foram os Fireballs, banda da ainda menor Raton que conseguiu emplacar dois “hits” instrumentais em escala nacional depois de despretensiosamente lançados em 1959 (“Torquay” e “Bulldog”) para além de cometer a enorme façanha de, em 1963, ter lançado com os vocais de Jimmy Gilmer o “single” mais vendido do ano nos Estados Unidos, “Sugar Shack”. Entre uma coisa e outra, o grupo lançou dois álbuns em 1960, um deles sendo “Vaquero”.
9 DUANNE EDDY “Because They’re Young”
O ano de 1960 talvez não seja o melhor para um cartão de visitas de Duanne Eddy, um dos grandes guitarristas e mestres do “reverb” da deliciosa era do “rock instrumental” dos 50/60s. O músico nova-iorquino cuja carreira começou no Arizona já havia lançado uma assinalável série de “singles”, entre os quais imortalizando o clássico de Henry Mancini, “Peter Gunn”, quando em 1960 embarcou no revivalismo “folk” que produziria os ícones de protesto dos “sixties”. Eddy ficou-se pela música sem discursos e em “Songs of Our Heritage” propunha um passeio diferenciado pelas raízes da música americana com um álbum marcado pelo uso do banjo e, claro, da sua indefectível guitarra. Para efeitos de rock´n´roll, no entanto, os “singles” estão lá mais próximos, como “Shazam!” e este tema do filme homónimo, que valeu a Eddy um “cameo” e um dos grandes “hits” da sua carreira – a qual continuou em forma ao longo dos anos 60.
8 THE SHADOWS “Apache”
No lado inglês os Shadows foram a grande banda do “rock” instrumental da altura e foi precisamente com esse “single” que eles começaram uma fulgurante carreira de sucesso em Inglaterra que os manteria no topo até 1964. Já de si bem-sucedida ao ser a banda de apoio de Cliff Richard, o grande pioneiro do “rock” britânico, eles tropeçaram nesta música quase por acaso. Quem a trouxe foi o seu próprio compositor, um jovem talento da escrita de canções Jerry Lordan. Este não havia simpatizado nada com a muito peculiar versão de Bert Weedom, gravada um ano antes, e numa “tour” em conjunto com os Shadows propôs-lhes que fossem estes a gravarem-na. O resultado foi um clássico instantâneo e uma parceria entre Lordan e a banda que renderia mais alguns sucessos. Lordan eclipsou-se nos anos 70, enquanto os Shadows desfizeram-se em 1968.
7 JAMES BROWN & FAMOUS PLAYERS “Think”
Em 1960, a matemática da carreira de James Brown era assim: um “hit” no universo do “rhythm & bluels” (“Please Please Please”, seu primeiro “single”, lançado em 1956) e nove falhanços comerciais a seguir até “Try Me” cair no gosto do público em 1958. Todos essas músicas e mais algumas entraram nos seus dois primeiros “long plays” (“Please Please Please” e “Try Me!” – de 1958 e 1959, respetivamente). Assim, 1960 era o ano do seu terceiro álbum, essencialmente de originais e do qual sairiam retirados cinco “singles”. Mas interessante mesmo três anos antes do início da glória com o primeiro “Live at Appolo”, era o tratamento inédito dado ao “r&b” tradicional dos “The 5 Royales”, que haviam gravado a música seis anos antes: na versão de Brown, há uma estrutura com diferentes velocidades, solos de sopro e guitarras. Será das primeiras das suas gravações a apontar para outras direções.
6 THE VENTURES “Walk Don’t Run” (imagem de abertura)
Dos mais bem-sucedidos da música instrumental foi esse grupo de Tacoma, próxima a Seattle, que foi buscar ao músico “country” Chet Atkins e a sua versão de um “standard” do “jazz” a inspiração para este primeiro e espantosamente bem-sucedido “single”. Enquanto participavam de um cenário que popularizava as guitarras em detrimento do sopro, ao mesmo tempo que inovavam nos efeitos, os Ventures tornaram-se dos mais apetrechados, tecnicamente, do apogeu do “rock” instrumental dos 60s. Curiosamente, depois de atingirem o topo das “charts” com essa música, a qual também carregou como faixa-título o álbum do estreia, foi só com uma nova versão de “Walk don’t Run” que eles voltaram ao topo, em 1964. Com uma carreira prolífica de “covers”, se deram particularmente bem neste mesmo ano, para além de atingir novamente a celebridade com o famoso tema de “Hawaii 5-0”, em 1968. Os Ventures existem até hoje: mesmo após a morte de todos os membros originais, são atualmente liderados pelo guitarrista Bob Spaulding, que entrou para a banda em 1980.
5 IKE & TINA TURNER “A Fool In Love”
Ike Turner já tinha uma assinalável carreira quando conheceu Anna Bullock num concerto dele, em 1958. Entre as suas múltiplas aptidões (instrumentista, compositor, produtor) andou largos anos a procurar talentos, descobrindo um grande número de notáveis. Já para Bullock, rebatizada de Tina Turner, abriam-se as portas para o sucesso na música e para um intempestivo relacionamento com espaço para a violência doméstica. Quanto a “A Fool in Love”, parece que os pneus de um carro estiveram na origem da sorte de Tina: depois de Ike ter alugado um estúdio para o seu “frontman” dos King of the Rhythm, Art Lassiter, cantar, o rapaz não apareceu – aparentemente para não pagar a Ike Turner um empréstimo que este lhe tinha feito para, justamente, comprar os tais pneus. A coisa toda acabou por ser fatal para a carreira musical de Lassiter (mais tarde entrou para os Panteras Negras!) e Tina Turner agradeceu: numa performance esfuziante, a música cometeu a façanha de ultrapassar as fronteiras das paradas demarcadas do “rhythm & blues” e atingir o público branco em larga escala.
4 CLIFF RICHARD & THE SHADOWS “Choppin’n’Changin’”
Na altura da ascensão de Cliff Richard, no final dos anos 50, os ingleses iam deixando de fazer uma pálida imitação dos seus heróis americanos e abandonando os instrumentos amadores do “skiflle” para chegarem a algo personalizado e profissional. Sintomático, as vendas de guitarras dispararam por estas alturas e, após Tommy Steele ser considerado o “Elvis britânico”, coube a Cliff Richard assumir o trono do primeiro grande “rocker” das ilhas. O seu clássico “Move on”, de 1958, é considerado por uns tantos o momento fundador do “rock” britânico. Muito focado na sua via baladeira, ainda assim o seu álbum de 1960, “Me and my Shadows”, continha momentos vigorosos – como “She’s Gone”. Richard até hoje permanece como o mais bem-sucedido artista da Inglaterra, atrás apenas de Elvis Presley e dos Beatles – fama que nunca chegou a atingir fora dos ilhas. Nos anos 60 o Cristianismo entrou em sua vida, embora ainda assim tenha alternado momentos mais laicos com a sua devoção vincada.
3 JUNIOR WELLS “Messin’ with the Kid
Junto a mestres do calibre de Buddy Guy, com quem estabeleceria uma frutífera parceria, Otis Rush e Magic Sam, entre outros, Junior Wells representou uma segunda geração do “blues” elétrico no final dos anos 50. Na forja uma combinação entre os arquétipos do “blues” com os ritmos do “rhythm & blues” – gerando resultados entusiasmantes como esta saborosa viagem batizada, segundo corre, pela filha de Wells – cuja alcunha era o “Kid”. Aparentemente, o produtor de um espetáculo chegou mais cedo à casa dele para uma apresentação, ao que a menina de nove anos disse: “ainda não são nove horas. Don’t mess with the kid!”. Ficou registado o recado – naquele que foi o maior sucesso de público da carreira de Wells – cuja trajetória vinha desde o início dos 1950s e na qual juntava um estilo parecido ao de Little Richard com ritmos afro-cubanos. No “Youtube” está disponível uma fabulosa versão de Wells com a guitarra de Guy no festival de Montreux, em 1970.
2 HOWLIN WOLF “Spoonful”
Vinha do “blues”, certamente, uma outra fonte de prazeres relacionados com o fragilizado universo do “rock” de 1960. E é mesmo alusiva a prazeres (dos mais mundanos, como sexo e drogas) que esta composição de Willie Dixon, uma das mais poderosas de todas as que fez para Howlin Wolf, versa de forma sugestiva. A estas alturas Wolf era um representante de outras paragens: já tinha feito parte da grande imigração do sul para Chicago nos anos 30, protagonizado com outros a eletrificação do “blues” ao longo dos anos 40 e nos 50 colecionaria uma razoável quantidade de “hits” no universo do “rhythm and blues” (a fatia do mercado direcionado para o público negro) – normalmente escritos por Dixon. Em 1959, teve direito a um LP com a sua primeira compilação, “Moaning in the Moonlight”. O Cream fez uma furiosa versão “rock” para o seu álbum de estreia, lançado em 1965.
1 JOHNNY KIDD & THE PIRATES “Shakin All Over”
Coube a este londrino vindo, como tantos outros, do universo do “skiffle”, a espetar com esta pérola o maior clássico do “rock” inglês pré-1964. Aqui deixavam-se as imitações e, apoiado nos poderosos solos do músico de estúdio Joe Moretti, que andou a experimentar com “efeitos” utilizando… um isqueiro!. A voz poderosa de Kidd (nome artístico de Frederick Heats) e a estrutura da música deixavam para trás todo passado de papel carbono da música americana para antecipar as fúrias elétricas das bandas que mudariam a face da música das ilhas a partir de 1964. Os contributos não ficam pela música: com espetáculos visualmente elaborados, foi dos primeiros atos cénicos da história do “rock” – antecipando em bons anos similares célebres como Alice Cooper. A música atingiu o número 1 dos “charts” britânicos, mas infelizmente tudo o que veio a seguir não conseguiu o mesmo sucesso – o que teve como consequência o facto de Kidd, falecido com apenas 30 anos num acidente de carro em 1966, nunca ter chegado a ter um álbum lançado. Mas alguns dos seus “singles” são ainda assim assinaláveis, como “Restless”, lançado no mesmo ano. Coube aos canadianos do The Guess Who popularizarem a música na América do Norte em 1965, enquanto os The Who inseriram-na nos seus concertos e lançaram-na no seu álbum de 1970 “Live at Leeds”. Seja em que caso for, com tal material era impossível de errar.
Muito bom. Lança uma luz sobre um dos períodos mais obscuros na história do bom e velho rock’n’roll.