Festival de Veneza 2023: 25 filmes de uma programação de luxo

Festival de Veneza 2023: 25 filmes de uma programação de luxo

Agosto 27, 2023 0 Por Roni Nunes
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O festival italiano, que decorre entre 30 de agosto e 9 de setembro, arrisca-se a ter a melhor programação dos grandes festivais este ano – embora Cannes, obviamente, já tenha deixado também a sua marca. Com tantos nomes e histórias sonantes, só faltará saber se os filmes serão tão bons quanto prometem. Sem dificuldades encontramos 25 filmes altamente promissores – a serem conferidos ao longo deste e do próximo ano…

THE PALACE Roman Polanski

Polanski reuniu, entre muitas faces jovens, John Cleese, Fanny Ardant, o português Joaquim de Almeida e até Mickey Rourke para esta comédia negra situada na passagem de ano de 1999 para 2000. Espera-se o “bug” do milénio ou o final dos tempos, mas o que acontece mesmo no hotel luxuosíssimo localizado na Suíça é uma espécie de guerra surda entre as exigências absurdas de hóspedes muito ricos, um “staff” com dezenas de trabalhadores para atendê-los e um gerente que faz malabarismos diplomáticos entre ambos. 

“Coup de Chance”

COMANDANT Edoardo de Angelis

Filme de abertura do festival, substituindo o de Luca Guadagnino (“Challengers”) que a MGM adiou devido à greve em Hollywood. Na 2ª Guerra Mundial um submarino italiano afunda um navio belga. Contra todas as regras militares, no entanto, o comandante decide salvar a tripulação da embarcação inimiga, colocando a eles próprios em risco. Baseado numa história verídica, tornou-se História quando o capitão belga pergunta porque ele contrariou as ordens dos seus superiores e não os deixou morrer. Resposta: “Diferente de mim, eles não tem 2 mil anos de civilização para trás”.

THE BEAST Bertrand Bonello

Depois do denso “Coma”, Bonello aparece com uma complexa trama disposta em duas horas e meia de duração e onde o “spotlight” vai para Léa Seydoux. Ela é uma mulher a viver num mundo onde a inteligência artificial reina suprema e os sentimentos são uma ameaça. Para purificar o seu DNA, ela tem de retroceder as suas vidas passadas, onde encontra o grande amor da sua vida. Tem inspiração em “A Fera na Selva”, de Henry James, um conto que trabalhava de forma complexa aquilo que Bonello diz ser um dos seus objetivos: abordar o medo de amar.

COUP DE CHANCE Woody Allen

Woody Allen voltou-se para terras francesas para tratar de temas habituais na sua obra – como o papel da sorte na vida, a infidelidade e alguns crimes daí derivados. O filme narra a história de um casal apaixonado, bem-sucedido profissionalmente e que leva uma vida aparentemente perfeita. Isso antes de ela esbarrar num velho colega de escola… Um elenco de luxo gaulês (Lou de Laâge, Valérie Lemercier e Melvill Poupad) protagoniza.

POOR THINGS Yorgos Lanthimos

Lanthimos segue a sua carreira internacional com abordagens certamente mais palatáveis para o grande público do que as obras-primas que o consagraram (“Canino”, “Alps”, “The Lobster”). Esta ficção surrealista traz um elenco de luxo (Emma Stone, Mark Ruffalo, Willem Dafoe) para contar outra história de um cientista louco que consegue ressuscitar uma mulher do passado. Para alguns com piores consequências que o monstro de Mary Shelley: em vez de uma criatura que decide ir para o Ártico, essa viaja pelo mundo… com ideais feministas!

“El Conde”

EL CONDE Pablo Larraín

Um dos maiores cineasta sul-americanos de sempre, o chileno faz um “statement” fundamental a propósito desta história onde Augusto Pinochet tem 250 anos e é um vampiro a viver num castelo arruinado e pensando em morrer. “Eu gastei anos imaginando Pinochet como um vampiro, como um ser que nunca pára de circular através da História (…). Os vampiros não morrem, não desaparecem, nem os crimes e roubos de um ditador que nunca conheceu uma verdadeira justiça”.

DOGMAN Luc Besson

Ao que tudo indica, Luc Besson deixou-se das aventuras que o tornaram célebre para dedicar-se à uma história pesada inspirada em factos reais – quando uma família francesa enclausurou o próprio filho de cinco anos numa jaula. O protagonista de “Dogman” sofre esse tipo de abuso e Besson procurou analisar como se sobrevive psicologicamente ao sofrimento atroz. “Quando um homem está em apuros, Deus envia-lhe um cão”, escreveu Lamartine. Aparentemente é essa a saída do rapaz, interpretado por Caleb Landry Jones.

EVIL DOES NOT EXIST Ryusuke Hamaguchi

Depois da consagração com “Drive my Car”, Hamaguchi surge com esse filme que narra a chegada de uma grande companhia em plácidas terras de floresta de uma aldeia japonesa, aproximando-se o caos ecológico e a destruição da comunidade. Tentando filmar a interação entre humanos e natureza, o cineasta afirma ser também um projeto musical – onde a banda sonora teve uma importância decisiva na construção do projeto.

FERRARI Michael Mann

Oito anos depois de “Blackhat”, o octogenário realizador retorna com um projeto onde mergulha a fundo na vida e na obra de Enzo Ferrari – o fundador da empresa que tornou-se mítica na Fórmula 1. Adam Driver e Penélope Cruz protagonizam essa história onde se vislumbram dramas pessoais intensos (um casamento conturbado, a perda de um filho), com os êxitos dos carros e pilotos da empresa que criou em 1947.

“Green Border”

HIT MAN Richard Linklater

Depois da elogiada animação “Apollo 10 ½ : A Space Age Adventure”, Richard Linklater retorna com uma proposta que dialoga com vários subgéneros – como a comédia, o “noir” e o suspense. O enredo trata de um assassino de encomenda que é uma das grandes referências de Nova Orleans. O problema é que ele trabalha, na verdade, para a polícia e usa disfarces para apanhar gente que tenta, justamente, eliminar alguém indesejável. Só que ela acaba por se apaixonar por uma cliente e quebra o protocolo…

DARIO ARGENTO PANIC Simone Scafidi

Mergulho na vida e na obra de um dos grandes mestres do terror italiano e, eventualmente, o mais conhecido no cenário internacional. Argento escreveu em quartos de hotel alguns dos filmes que o tornaram famoso e agora, aos 83 anos, pretende escrever o seu último. Entretanto, recebe companhia: uma equipe de filmagem que roda um projeto sobre ele. Para além do cineasta, contribuem para o filme nomes como Asia Argento, Guillermo del Toro, Gaspar Noé, Nicholas Winding Refn e Lamberto Bava, entre outros.

THE CAPTAIN Matteo Garrone (foto de abertura)

Garrone volta às longas quatro anos depois de “Pinóquio” com uma obra filmada no Senegal e contando a história de dois jovens que decidem trocar Dakar pelo sonho da Europa. Trata-se da grandiosa e muitas vezes trágica aventura de gente que deixa tudo para trás e arrisca-se pelos perigos do deserto, da travessia marítima e, pelo meio, pode vir a conhecer as horrendas prisões da Líbia (com apoio da União Europeia) para imigrantes. 

GREEN BORDER Agnieszka Holland

Do deserto para os pântanos da Bielo-Rússia, 33 anos depois do clássico “Europa Europa” a veterana cineasta polaca também aborda o tema da imigração – prometendo um filme intenso sobre refugiados sírios que pretendem chegar à Suécia. Ficam, no entanto, retidos na Polónia e demonizados pela imprensa, servindo de jogo político entre estes e o ditador bielo-russo que tem dado nas vistas (pelas piores razões) na Guerra da Ucrânia, Alexander Lukashenko.

“Aggro Dr1ft”

THE KILLER David Fincher

De Fincher sempre se esperam grandes feitos e desta vez ele parte, com Michael Fassbender e Tilda Swinton no elenco, para a adaptação de uma banda desenhada francesa que narra uma caçada internacional promovida por um assassino. Segundo o cineasta, é uma história de vingança. Tem música de Trent Reznor, dos Nine Inch Nails, e seu parceiro de muitas andanças, Atticus Ross. Da Netflix, com estreia programada para novembro.

AGGRO DR1FT Harmony Corine

Já vão longe (11 anos, precisamente) da glória da controvérsia extrema à volta de “Spring Breakers” – mas facto é que Korine parece longe a ter sucumbido a qualquer espécie de sistema. Por aqui ele aparece com a história de um assassino, no submundo de Miami, em busca do seu próximo alvo. Ocorre que o filme foi todo rodado com lentes infravermelhas, criando um mundo distorcido onde violência e loucura reinam supremas. Em termos mais “mainstream”, certamente das propostas mais experimentais do festival. 

MEMORY Michel Franco

Michel Franco, o cineasta mexicano que coleciona propostas “indies” de temas pesados e grande Impacto (“After Lúcia”, “Chronic”, “New Order”) agora anda com maiores capitais e atores famosos, como Jessica Chastain a liderar o elenco desta história sobre um drama em torno de uma assistente social vivida por Chastain. Novamente não se deve esperar muitas facilidades neste drama onde Franco diz querer investigar até que ponto se pode fugir de um passado traumático e construir um novo presente sem as sombras deste.

THE WONDERFUL LIFE OF HENRY SUGAR Wes Anderson

Anderson tem estatuto suficiente para reunir um elenco de luxo (Ralph Fiennes, Benedict Cumberbatch, Dev Patel, Ben Kingsley) para uma curta-metragem de 40 minutos – que futuramente estará disponível na Netflix. Ele retorna ao universo de Roald Dahl 14 anos depois de “O Fantástico Senhor Raposo”. Desta vez há uma série de personagens interligados, mas o principal é Henry Sugar, apto a ver através dos objetos e prever o futuro baseado num livro que ele roubou.

“The Wonderful Life of Henry Sugar”

GIUSEPPE DE SANTIS – THE ARTIST, THE MAN Stefano Della Casa

De Santis é um dos grandes do neo-realismo italiano – infelizmente nunca tão lembrado quanto nomes como Visconti ou Rossellini. Também foi um dos mais idealistas: seus filmes manifestaram um forte tom político de esquerda, reclamando uma vida melhor para as classes operárias e rurais. O filme apoia-se em grande número de entrevistas para reconstruir não só a obra com a vida pessoal do cineasta, morte em 1997 com 80 anos. 

MAESTRO Bradley Cooper

Depois de “A Star is Born”, Bradley Cooper volta-se outra vez para a música no seu segundo trabalho como realizador. Nesta produção para a Netflix, ele traz a sua paixão por Leonard Bernstein, o qual também interpreta – focando-se no relacionamento entre ele e a esposa, Felicia Montealegre, vivida por Carey Mulligan. Os filhos de Bernstein já vieram em defesa de Cooper a afirmar que o retrato físico do pai está ótimo depois do Hollywood Reporter aparecer com as patetices do costume – de que se ele “não é judeu não deveria retratar um judeu”.

RYUICHI SAKAMOTO | OPUS Neo Sora

O último concerto, ao piano, de Sakamoto – ocorrido pouco tempo antes da sua morte em março deste ano. O belo “Ryuichi Sakamoto – Coda”, em 2018, já mostrava a sua luta contra o cancro. Em dezembro do ano passado ele reuniu todas as suas energias para um concerto que sabia que podia ser o último – tocando 20 peças que perpassam toda a sua carreira – desde os tempos da inovação eletrónica do Yellow Magic Orchestra, passando pelas famosas bandas sonoras para Bertolucci e o seu último álbum “ambient” lançado no início do ano e batizado de “12”. 

PRISCILLA Sofia Coppola

Sofia Coppola, que já retratou Maria Antonieta de forma no mínimo singular, abraça outra “biopic” – pouco se esperando que siga caminhos tradicionais. Neste caso figura a relação entre Elvis Presley e Priscilla, sua esposa – aliás o ponto mais fraco do filme de Baz Luhrmann. Priscilla conheceu Elvis na Alemanha, ainda muito jovem, e mais tarde no mundo de fantasia de Graceland assistiu ao marido sucumbir enquanto se reinventa para encontrar o seu próprio lugar.

“The Society of the Snow”

FRANK CAPRA: MR. AMERICA Matthew Wells

Um estrangeiro de origens humildes, Capra ascendeu na indústria do cinema até se tornar um dos maiores cineastas de Hollywood. As suas histórias até hoje encantam como a personificação do sonho americano – cujos filmes lançados em tempos difíceis (Grande Depressão, 2ª Guerra Mundial) ofereciam às audiências a vitória dos idealismos, o triunfo das pessoas decentes e um ideal de sociedade pelo qual valia a pena lutar. 

THE CAINE MUTINY COURT-MARTIAL William Friedkin

O último filme de William Friedkin, o célebre realizador por trás do “Exorcista” e “The French Connection”, falecido em 7 de agosto com 87 anos. Trata do julgamento de um oficial da Marinha – levando com a Corte Marcial depois que assumiu o comando de um navio quando o comandante deste estava a agir de maneira instável. Kiefer Sutherland e Jason Clarke protagonizam essa história na qual Friedkin tencionou tornar a mais ambígua possível. O cineasta também disse estar encantado com o desempenho dos atores – “uma das mais impressionantes atuações que já vi”. 

HOLLYWOODGATE Ibrahim Nash’at

Certamente uma das melhores premissas a passar pelo festival. Sem nenhuma relação com a indústria do cinema, o nome refere a um armazém abandonado pelos norte-americanos quando decidiram desocupar o Afeganistão. O local foi rapidamente tomado pelos talibãs, que ficaram encantados com o que encontraram: quantidades consideráveis de armas com alta tecnologia. Eles agora podiam bombardear seus inimigos. Conforme diz o cineasta, foi quando uma milícia fundamentalista transformou-se num regime militar.

THE SOCIETY OF THE SNOW A.J. Bayona

Produção espanhola para a Netflix que encerra o festival. J.A. Bayona, o realizador espanhol que aterrorizou o mundo com “O Orfanato” e levou outro meio mundo às lágrimas como “O Impossível”, apresenta a história de uma equipe de “rugby” uruguaio cujo avião despenca nos Andes, deixando-os num terrível território para lutar pela sobrevivência. O cineasta quis mostrar a forma como os seres humanos têm de se adaptar e se reinventar em condições extremas, onde o companheirismo pode ser uma poderosa forma de sobrevivência.