FESTIVAL DE CANNES 2021, À PROCURA DE EMOÇÕES: DEZ FILMES QUE PROMETEM APELAR AOS SENTIDOS
Cannes 2021 (6 a 17 de julho) pode ter muito a dizer. Com o cinema “mainstream” há muito rendido ao PG-13 e à politiquice correta, sobra largos espectros de intervenção para o maior de todos os festivais. O que segue é um “top” de expectativas onde se espera um meio-termo entre a banalidade comercial e as exigências de “transcedências formais” de certos segmentos de cinéfilos.
Antes disto, vale lembrar que Cannes não se realizou em 2020 devido à pandemia e a galeria de cinema de autor que vai desfilar pela Croissette aparece particularmente vistosa. Por lá passarão Wes Anderson, Leos Carax (cujo “Annette” é o filme de abertura), Nanni Moretti, Mia Hansen-Love, François Ozon, Ari Folman, Hang Song-soo, Bruno Dumont, Nadav Lapid e muitos outros. O júri será presidido por Spike Lee.
Em língua portuguesa Miguel Gomes (“Tabu”) retorna a Cannes na Quinzena dos Realizadores com “Diário de Otsoga”, obra realizada em parceria com Maureen Fazendeiro; a mesma seção abriga a brasileira Anita Rocha da Silveira (de “Mate-me por Favor”) com “Medusa”.
A programação de Cannes desenrola-se entre as seções competitivas (Seleção Oficial, A Certain Regard, Quinzena dos Realizadores, Semana da Crítica, ACID) e uma série de projeções paralelas. Entre estas, a nova seção Premiere, que o diretor Thierry Fremaut descreveu como uma forma mais informal de apresentação de um novo filme.
10 TOM McCARTHY “Stillwater”
Com um novo filme praticamente a estrear-se, “No Sudden Move”, de Steven Soderbergh, e após “Ford x Ferrari”, Matt Damon aposta no novo projeto de Tom McCarthy, de “Spotlight” – em mais um filme que tinha lançamento previsto para o ano passado. Ele aqui vive um operário da indústria pesada que descobre que a filha, que fazia um intercâmbio em Marselha, foi presa por assassinato. Para ajuda-la enfrenta inúmeras barreiras – culturais, linguísticas e legais – um desesperado estranho numa terra estranha.
9 JACQUES AUDIARD “Paris, 13th District”
Depois de aventurar-se por uma obra em língua inglesa e propor uma renovação do “western” em “Sisters Brothers”, Jacques Audiard volta para casa. Da conexão com os EUA ficou a inspiração do cartunista do New Yorker, Adrien Tomine, para o seu novo filme. “Killing and Die”, de Tomine, trazia seis histórias sobre dramas diversos – no filme traduzindo-se em quatro protagonistas femininas e suas relações afetivas. O título original, “Les Olympiades”, faz referência a um bairro de torres residenciais de Paris.
8 JOACHIM TRIER “The Worst Person in the World”
O realizador norueguês estreou-se na Croissette n’A Certain Regard com o melancólico “Oslo, 31 de Agosto”, o qual, tal como último, “Thelma” expunha pungentes pesadelos existenciais. “The Worst Person in the World” parece ir pelo mesmo caminho – narrando a crise de uma mulher de 30 anos que tenta, através de um novo relacionamento, dar um novo sentido à sua vida.
7 KIRILL SEREBRENNIKOV “Petrov’s Flu”
“Leto”, filme anterior do cineasta, captava a imaginação dos fãs de “rock’n’roll” com a narrativa da chegada do mesmo à União Soviética, no início dos anos 80. Em termos de estilo, misturava drama, musical e animação. Serebrennikov estava enrolado com as práticas “democráticas” da Rússia de Putin e não pôde ir a Cannes em 2019, mas agora, aparentemente, andará por lá a apresentar o quotidiano de uma família pobre nos tempos pós-soviéticos e assoladas por um surto de gripe.
6 KARIM AINOUZ “O Marinheiro das Montanhas”
Um dos realizadores brasileiros mais consagrados no circuito dos grandes festivais (Cannes e Berlim à cabeça) promete emoções com o seu autobiográfico “O Marinheiro das Montanhas”. O filme mistura imagens familiares com arquivos históricos para descrever a história de amor dos pais do cineasta (a mãe cearense e o pai argelino, que volta para o seu país enquanto Karim é criado pela mãe e pela avó) e, ao mesmo tempo, evocar memórias da guerra argelina pela independência.
5 ASGAR FAHRADI “A Hero”
Autor de um dos filmes mais sensacionais feitos no século XXI (“Uma Separação”, de 2011), Fahradi (ainda) é o iraniano do momento – e marca presença pela quinta vez na Croissette. Depois do “thriller” “internacional” “Todos lo Saben”, ele regressa ao seu país natal, mais precisamente a histórica cidade de Shiraz, para contar a história de um homem condenado por uma dívida que não pagou.. Parece simples, mas quando a “story line” de “Uma Separação” pode ser resumida à tentativa de uma mulher divorciar-se, os melhores auspícios emanam da Pérsia por aqui…
4 TODD HAYNES “The Velvet Underground”
Um filme de Haynes sobre o Velvet é daqueles que entram imediatamente em qualquer lista. Diferente do seu registo da era “glitter” em “Velvet Goldmine” ou da original “biopic” de Bob Dylan em “I’m not There”, no entanto, “The Velvet Underground” é um documentário. Segundo Haynes, um dos aspectos é iluminar outros lados (menos depreciativos…) de Lou Reed (morto em 2013) – tão reconhecido pela genialidade como pelas suas idiossincrasias. Conta com testemunhos dos sobreviventes – John Cale e Maureen “Mo” Tucker. O guitarrista Sterling Morrison faleceu em 1995.
3 JULIA DUCOURNAU “Titane”
Em busca de visceralidade os grandes festivais têm, cada vez mais, aberto as suas portas ao cinema de terror. Julia Ducournau não brincou em serviço no seu brilhante filme de estreia, “Grave”, um violento “coming-of-age” com direito a vómito de cabelos e desmaios na plateia. “Titane” inclui Vincent Lindon no elenco – a fazer de um pai que recebe o retorno de um filho desaparecido há dez anos. Porém com a sua chegada assassinatos macabros começam a acontecer na localidade.
2 GASPAR NOE “Vortex”
Na mesma linha, Gaspar Noé (“Irreversível”) espetou um dos filmes mais impressionantes (uma orgia de técnica e intensidade) dos últimos anos em 2018 (“Climax”) e consta que correu para entregar a tempo o seu novo trabalho para integrar o festival. Do que se sabe até agora é que trata-se de um semidocumentário sobre um casal na terceira idade. Um deles é vivido pelo icónico Dario Argento, o grande realizador italiano de “Suspiria”.
1 PAUL VERHOEVEN “Benedetta”
Num universo cinematográfico dominado pela ultracorreção e pelo puritanismo espera-se de Paul Verhoeven uma “lufada de ar fresco” em semelhante conjuntura. Afinal, em tempos onde a infantilização do cinema “mainstream” e seus tabus sexuais já eram uma realidade (anos 80, 90), Verhoeven foi o mais bem-sucedido desafio das normas (“Robocop”, “Basic Instinct”). Mal se pode esperar para saber o que cineasta, também à vontade na abordagem histórica (“Flesh + Blood” era um refrescante “insight” passado no início da Idade Moderna), fez com o material de Judith Brown sobre o primeiro caso de um romance lésbico documentado pela igreja – ocorrido em Itália no início do século XVII.