Festival de Berlim: confira participação luso-brasileira em grande ano para o cinema português
Um dos maiores festivais do mundo a par de Cannes e Veneza, a Berlinale decorre entre 16 e 26 de fevereiro.
Em termos lusófonos, é um bom ano para o cinema português – que terá dois filmes de João Canijo (um deles em Competição) e mais alguns exemplares detalhados abaixo. No caso brasileiro, à uma longa na Panorama e outra na Forum soma-se a curiosa aventura setentista de A Rainha Diaba.
Bem viver
Sem que o festival tenha sequer arrancado, o cineasta português João Canijo e a produtora Midas Filmes já podem se considerar grandes vencedores. O veterano realizador lusitano emplacou não um, mas dois filmes, no certame.
Na verdade, trata-se de um desdobramento em dois de um projeto de cinco horas – todos girando em torno de um hotel gerido por uma família de mulheres. O primeiro, Mal Viver (foto de abertura), estará presente na Competição e foca-se mais no relacionamento marcado pela amargura e pelo ressentimento entre elas – que terá novos desdobramentos com a chegada de uma jovem.
Já Viver Mal foi parar na seção Encounters e o centro desloca-se para as vidas de alguns dos hóspedes do hotel. Os projetos serão lançados comercialmente em Portugal em maio.
De África à Singapura
A cineasta Susana Nobre, especializada em trabalhos que gravitam nas fronteiras entre a ficção e o documental, também não se pode queixar da sorte: é o seu segundo projeto consecutivo, depois de No Táxi do Jack, de 2021, que surge entre os escolhidos para a seção Fórum. O seu projeto de 2023, Cidade Rabat, gira em torno de uma mulher que lida com a reconstrução da sua vida após a perda da mãe – a quem havia se dedicado nos últimos dois anos.
A grande vocação internacionalista lusitana surge em coproduções que atingem uma dimensão global. Na seção Generations, por exemplo, dedicada a um público infanto-juvenil, Tomorrow Is a Long Time apresenta-se sob uma premissa interessante: os dramas internos de uma família cercados pelo gigantismo arquitetónico da Singapura. Realizada por Jow Zhi Wei, tem na coprodução a Oublaum Filmes, do cineasta Ico Costa.
Outros dois projetos pertencem a Forum Expanded – das mais experimentais do festival e que mistura cinema com diferentes formas de arte. A.I. African Intelligence é um trabalho com produção da Maumaus/Lumiar Cité e o cineasta do Mali, Manthia Diawara, aborda a emergência de novas tecnologias como a inteligência artificial com danças rituais de uma aldeia piscatória do Senegal.
A promessa de ainda maiores experimentações guarda Last Things, coprodução que envolve a lusitana Stenar Projects. Dirigido pela americana Deborah Stratman, propõe-se nos seus 50 minutos à uma abordagem da evolução e extinção segundo o ponto de vista das rochas. Dentro do conceito de geobiosfera fica a possibilidade evolucionária onde os humanos desaparecem, mas a vida persiste. Há referências a J.H. Rosny (pseudónimo de uma dupla de precursores da ficção científica do século XIX) e uma série de outras.
Brasil: carros blindados e criminosos “trans”
A Símio Filmes (no currículo exibe a coprodução de Bacurau) emplacou Propriedade, estreado mundialmente no Festival do Rio em outubro e que aqui é exibido na Panorama. Impossível estar mais em sintonia com os medonhos tempos de Jair Bolsonaro e a legitimação das violências do agronegócio. O filme narra a história de uma proprietária rural que barrica-se num carro blindado para não enfrentar os seus trabalhadores. Daniel Bandeira assina a realização e Malu Galli protagoniza.
A Forum recebe O Estranho, obra da Lira Cinematográfica e da Enquadramento Produções, na qual os cineastas Flora Dias e Juruna Mallon gastaram anos de trabalho para construir a obra que se passa toda em torno do aeroporto de Guarulhos (um dos maiores do Brasil) – com foco nos trabalhadores do local. A narradora é uma assistente de pista cujo passado familiar foi sobreposto pela construção do aeroporto em território que pertenceu aos índios.
Do mais insólito e interessante será a exibição em Berlim de A Rainha Diaba, obra lançada em 1974 e recuperada em 2022 pela Mostra de Cinema de São Paulo. Com Milton Gonçalves no protagonismo, reúne duas lendas da cultura marginal brasileira: o dramaturgo Plínio Marcos, escritor do guião, e Madame Satã – lendária personagem famosa por ser travesti e criminoso ao longo de seis década no Rio de Janeiro e cuja história inspira livremente o filme. A direção é de Antônio Carlos Fontoura.
Mais duas curtas-metragens complementam a passagem brasileira por Berlim. Infantaria, de Laís Santos Araújo, que entra na Generations e aborda a vida de três jovens a viver dramas diversos, e Miçangas – que entra na Competição de curtas-metragens. Dirigida por Emanuel Lavor e Rafaela Camelo, narra a trajetória de duas irmãs que fazem uma viagem para que uma delas consiga fazer um aborto.