Festival de Berlim: confira os filmes que podem correr mundo depois da estreia no evento

Festival de Berlim: confira os filmes que podem correr mundo depois da estreia no evento

Fevereiro 16, 2023 0 Por Roni Nunes
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Um dos mais importantes festivais de cinema do mundo a par de Cannes e Veneza, a Berlinale decorre entre 16 e 26 de fevereiro. Em meio a uma programação sempre muito alternativa e geograficamente alargada, Cultura XXI, depois do destaque dado àos projeto luso-brasileiros, aborda algumas obras que têm hipótese de seguir um circuito internacional mais abrangente após o seu lançamento em Berlim.

A abertura oficial cabe à Rebecca Miller e o seu She Came to Me. A cineasta, esposa de Daniel Day-Lewis, é conhecida por comédias românticas de sabor “indie”, como As Vidas Privadas de Pippa Lee, de 2009, e Maggie Tem um Plano, lançado em 2015. O filme gira em torno de neuroses, obsessões e preconceitos de um grupo de adultos metidos nos mais diversos enredos. Nos papéis principais há Peter Dinklage, Anne Hathaway e Marisa Tomei.

Von Trotta e Petzold

A Competição terá Kristen Stewart como presidente do júri. A produção alemã surge em alta: a veterana Margarethe von Trotta, que está prestes a completar 80 anos, apresenta uma abordagem sobre a vida de Ingeborn Bachmann, falecida em 1973. Poetisa austríaca, Bachmann fez parte da literatura germânica do pós-guerra e de um círculo literário que incluía Gunter Grass e Heinrich Boll. Preterindo o final trágico da artista, muito marcado pelo alcoolismo, von Trotta prefere, em Ingeborg Bachman – a Journey in the Desert, destacar a luta de uma mulher pela independência e pela dignidade.

“Afire”

Outro nome do cinema alemão que dispensa maiores apresentações, Christian Petzold marca presença com Afire, história de quatro jovens que passam as férias na costa Báltica. Um deles, escritor, sofre no processo. Someday We’ll Tell each other Everything, de Emily Atef, Till the End of the Night, de Christoph Hochhausler e Music, de Angela Schanelec, completam os títulos germânicos em Competição. 

O problema dos “smartphones”

Ao contrário de Cannes, onde a passadeira vermelha é estendida para múltiplas celebridades incluídas na Competição, Berlim destaca trabalhos mais alternativos e das mais variadas procedências. 

Ainda assim, da co-produção anglo-americana Manodrome conta Jesse Eisenberg e Adrien Brody – em obra onde o primeiro vive um homem que entra para um “culto libertário masculino” (?), ao que tudo indica inspirado em figuras como Andrew Tate. 

“Blackberry”

Também vinda dos Estados Unidos, um acento sul-coreano marca Past Lives – abordagem que recai, como em outros registos do passado, sobre a orfandade e adoção de crianças do país. Neste caso, uma vez adulto o protagonista vai à Ásia à procura de identidade.

De terras anglo-saxãs promete o canadiano Blackberry, obra de Matt Johnson com Jay Baruchel sobre a espetacular ascensão e meteórica queda do primeiro “smartphone”. Dois trabalhos australianos: num deles o veterano Rolf de Heer mostra The Survival of Kindness, obra estreada na sua cidade, Adelaide, em outubro do anos passado, e que fala do racismo em relação aos aborígenes – mesmo tema, tratado de outra forma, por Limbo.

Tudo em família: os franceses

O veterano Philippe Garrel queria motivos para juntar os seus três filhos (tem vários trabalhos com o mais velho, Louis Garrel) e arranjou na história de um mestre de marionetes que também remete ao seu passado familiar – neste caso do pai e do avô. Jean-Claude Carrière é um dos co-argumentistas de The Plough. Os franceses marcam presença ainda com o documentário On the Adamant – singular espaço que recebe adultos com doenças mentais às margens do Sena, no coração de Paris.

Completam a seção competitiva dois filmes chineses, Art College 1994 e The Shadowless Tower (entre os quais uma animação, género também do único representante japonês, Suzume), um espanhol (20.000 Species of Bees), uma coprodução com realizador italiano (Disco Boy) e um trabalho mexicano (Totem).

“Boom! Boom! The World vs. Boris Becker”

Fraudes, guerras e epidemias

A rampa de lançamento para muitos filmes que devem alcançar os circuitos de distribuição ao longo do ano decorre nas seções paralelas. 

Um dos mais conceituados documentaristas do mundo, Alex Gibney, desta vez empenhou-se numa biografia de Boris Becker – o grande tenistas que, após o fim da carreira, meteu-se em vários problemas com a justiça por evasão fiscal e falência fraudulenta. O filme: Boom! Boom! The World vs. Boris Becker.

Num universo muito distante Helen Mirren encarna Golda Meir em Golda. Foi a primeira mulher a chegar ao cargo de primeiro-ministro em Israel – levando com a invasão de uma coalizão árabe em 1973, na Guerra de Yom Kippur, quatro anos depois de ser empossada. 

“Superpower”

Guerra também em Superpower, onde o sempre muito ativo Sean Penn, acompanhado do cineasta Aaron Kaufman, acaba por se tornar uma das primeiras testemunhas da invasão russa da Ucrânia quando estava no país a conduzir uma série de entrevistas com o seu singular líder – Volodymyr Zelenski, um ator que havia se tornado presidente. 

As imagens de caminhões do exército a transportar dezenas de caixões na cidade de Bergamo ficará entre as mais inesquecíveis da pandemia do Covid. O documentário italiano The Walls of Bergamo sobre uma das cidades mais afetadas do mundo  promete ser um dos mais intensos do festival – abordando questões como morte, clausura e luto.

“The Walls of Bergamo”

Tiranos, prisões e terror

Ainda dentro de temas sérios, em Seneca (foto de abertura) Robert Schwentke traz John Malkovich a viver o famoso filósofo da Roma Antiga a cometer suicídio após as ordens de Nero. Aparentemente o faz da maneira mais lenta possível – onde o seu doloroso sangramento simboliza um libelo contra a tirania.  

Já em Passages, estreada em Sundance, Ira Sachs apoia-se em nomes como Adele Exarchopoulos e Ben Whishaw para a história de um triângulo amoroso onde um dos membros de um casal homossexual envolve-se com uma mulher…

Por seu lado, o candidato a “enfant terrible” Brandon Cronenberg, filho de David, propõe a sua nova avaria depois da estreia em Sundance, ocorrida em janeiro. Infinity Pool trata de um casal de férias que, após sair do seu “resort” de luxo, já não consegue voltar para trás – ingressando numa espiral de violência e terror. 

“Infinity Pool”

Também trancafiado, mas de outra forma, está Willem Dafoe em Inside. Ele é um ladrão de arte bem-sucedido ao desinstalar os alarmes de um apartamento luxuoso em Nova Iorque. O problema é sair de lá – e o filme acompanha a sua progressiva exaustão física e mental durante intermináveis dias preso nesta gaiola dourada.

Músicas e cinéfilos

No mundo da música, dos mais interessantes é Kiss the Future – sobre um grupo de artistas que continua a trabalhar mesmo depois do medonho cerco de Sarajevo nos anos 90 – que duraria sete anos. Com a libertação, os U2, de grande relevo nos protestos contra a guerra (impossível esquecer o vídeo e a música de “Miss Sarajevo”, por exemplo) fizeram um grande concerto na cidade.

“Kiss the Future”

Love to Love You, Donna Summer aborda, obviamente, a vida do grande da diva da “disco music”, enquanto Joan Baez I Am a Noise debruça-se sobre uma das figuras mais marcantes do ativismo musical dos 60s.

No que a lides cinéfilas concerne, haverá certamente muitos experimentalismos em Berlim. Entre os que dispensam cartão de visitas, há Allensworth, de James Benning, e Water, de Hong Sang-soo. No primeiro caso pode-se aguardar pelos habituais longos planos fixos, enquanto o sul-coreano aparece com um filme todo construído com imagens fora de foco. 

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