Entre o “doom” e o “gothic metal”: 10 músicas essenciais

Entre o “doom” e o “gothic metal”: 10 músicas essenciais

Dezembro 8, 2024 0 Por Roni Nunes
Partilhar

As fronteiras entre o “doom” e o “gothic metal” são porosas e um registo que misture um pouco destas formas liberta a apreciação de um exaustivo rigor semântico. Em comum, essa breve iniciação por um mundo de beleza poética e que reúne elementos que vão de fantasias românticas a imagens de perda, desolação e questionamentos existenciais, mostra também músicas nem sempre tão conhecidas das bandas em questão – ao mesmo tempo assegurando dois casos nos quais quaisquer fronteiras de nicho foram ultrapassadas e o “mainstream” assimilou essa forma particular de expressão artística.

LACUNA COIL “Unspoken” (Álbum: “Comalies, 2002)

Em 2002, a banda italiana lançou um belo álbum, seja em que subgéneros do “metal” onde se queira enquadrá-lo. A renegar explicitamente as imagens de fantasia do gótico e lançando-se com um lirismo poderoso por questões introspetivas, reúne ainda assim, mesmo que em termos menos explícitos que o Theatre of Tragedy, “bela e a besta” onde Christina Scabbia e Andrea Ferro contam histórias dolorosas e intensas de perda. Em “Unspoken”, esta apenas com Scabbia, onde o “não-dito” assombra um registo de imagens melancólicas associados com o fim de uma relação já não satisfatória. O uso de melodias lentas, guitarras pesadas e passagens de teclados fazem o contraste entre a beleza melódica e o peso do “metal”.

KATATONIA “July” (Álbum: “The Great Cold Distance”, 2006)

Igualmente intenso, o álbum dos suecos do Katatonia lança-se, musicalmente, noutras direções – guitarras muito pesadas e ritmo lento, ainda que muitas vezes variando dentro da mesma música, num “loop” repetitivo e hipnótico de desilusões amorosas e crises existências de um álbum cujo título é mais do que evocativo – “The Great Cold Distance”. “Soil’s Song”, por exemplo, circula à volta do fatalismo em versos como “a canção da terra / na sua garganta / futura morte ao seu alcance”. Entre as mais belas também estão “My Twin” e “July”. Essa, com as suas muitas variações de ritmo, onde o “brilho das luzes de julho”  é o único bom momento desta história terrífica de perda, é pontuada pelo vocal límpido e emocional de Jonas Renkse.

EVANESCENCE “Bring to me Life” (Álbum: “Fallen”, 2003)

Como uma espécie de “bela adormecida” gótica Amy Lee espera que a venham salvar e soprar-lhe vida neste “hit” gigantesco composto por imagens de uma morte simbólica (“Sem uma alma / Meu espirito dorme em algum lugar frio”). Talvez a música mais efetivamente “gótica” desta lista: o imaginário de Lee conecta-se com a literatura feminina do século XVIII – onde a resiliência das heroínas pressupunha uma “aliança” com alguém de fora para “soprar-lhe vida”. A intensa execução pelo mundo não tirou o apelo da música, que ainda conta com uma participação particularmente efusiva de Paul McCoy num grande momento de “rock’n’roll” – o andamento da música parece sugerir que Amy Lee está mesmo prestes a cair de um precipício.

MOONSPELL “A Poisoned Gift” (Álbum: “Irreligious”, 1997)

A banda portuguesa começou com “Irreligious” o seu longo e intermitente passeio por temáticas góticas. Mais um desta a lista (ao lado dos três acima) que não enveredou por grandes épicos, mas, mais do que as anteriores, suas letras demonstram um claro pendor para fantástico e serve bem como um ponto intermediário para a segunda parte desta lista – mais centrada em devaneios estilísticos mais extravagantes. Ainda se afirmando no cenário internacional depois do contrato com a Century Media a partir do álbum anterior, este trazia canções que ficariam nas “setlists” da banda até hoje, como “Opium” e “Full Moon Madness”. A “vampiresca” “A Poisoned Gift” romantiza que “Para sempre jovem em um chão tão frio / O esplendor da sua morte ainda fresco para ser visto”.

NIGHTWISH “Ghost Love Score” (Álbum: “Once”, 2004)

Os Nightwish trouxeram para uma longa e progressiva sinfonia os versos trágicos do ultra romantismo – com o coro entoando “minha queda será para ti / Meu amor estará em você / se você for aquele que me cortar / eu sangrarei para sempre”.  Mas o épico ainda contempla muitas transições e mudanças de andamento e comporta outras vias – como a regeneração e quem sabe um piscar de olho a tradições pagãs (“Redima-me à infância / Mostre-me a mim mesmo sem a casca / Como a chegada de maio / Eu estarei lá quando você disser / Hora de nunca reter nosso amor”). “Once” foi o grande arranque dos finlandeses no cenário internacional – embora seja o último com a icónica Tarja Turunen, recentemente encontrada nos concertos dos Within Temptation enquanto segue com a sua carreira solo. 

THEATRE OF TRAGEDY  “And When He Falleth” (Álbum: “Velvet Darkness They Fear”, 1996)

Fazendo jus ao nome, a banda norueguesa cria um “teatro” de contornos “shakespearianos” ao embarcar num poema com várias palavras do inglês arcaico (“falleth” é a palavra antiga para “fall”) e uma música de vários tons e matizes – desde os teclados que até as guitarras bastante pesadas. A dado momento o instrumental torna-se apenas a banda sonora para o longo diálogo extraído de “The Masque of Red Death”, o belo filme de Roger Corman de 1964 onde o satânico príncipe Próspero, vivido por Vincent Price, exibe uma longa litania contra a crente cristã que raptou – para concluir que “se um Deus bom e de amor alguma vez existiu ele está morto há muito tempo”. A combinação com a letra sobre uma humanidade decadente e uma referência a Lúcifer (o anjo caído do título) espelha a música de uma banda com um combinação muito particular das temáticas que fascinavam os aficionados do “gothic metal”. 

MY DYING BRIDE “The Cry of Mankind” (“The Angel And The Dark River”, 1995)

Outro épico, com longas passagens instrumentais, um ritmo lento marcado pelo piano, por violinos, um solo de guitarra omnipresente e o vocal a um passo do cavernoso de Aaron Stainthorpe. Com paragens meditativas, corais “sacros” e efeitos sonoros, é uma bela poesia.  A letra vai pelo mesmo caminho do universo “doom / gothic” – mas à sua própria maneira sugerindo decadência e a existência do “maligno”. “Você não pode esperar vê-lo e sobreviver / Você engolirá sua língua de espinhos / Sua boca, pingando moscas / Em seu glorioso reino de fogo / (…) Com luxúria, você está chutando a humanidade até a morte”. O nome da banda traz a sua própria carga de atmosfera – possibilitando um paralelo com o universo macabro de Edgar Allan Poe e as suas jovens moribundas na flor da idade.

PARADISE LOST “Gothic” (Álbum: “Gothic”, 1991)

Por seu lado os também ingleses do Paradise Lost resolveram chamar o seu segundo álbum de “Gothic”, depois de terem começado com um pé fincado no “death metal”. A faixa-título serpenteia um pouco por todo o lado, incluindo mesmo extensos solos de guitarra normalmente pouco presentes nestas andanças enquanto indica novos caminhos a abrir-se. As letras evocam mundos de imagens mais ou menos abstratas e repletas de imagens deprimentes como “Nós vivemos abaixo desses anos / Aguardando o chamado / Para toda a vida expirar / Passivo até hoje / Ao infinito cairemos.  Sarah Marrion faz um contraponto feminino ao vocal de  Nick Holmes para cantar essas agruras dos “horrores eternos passando lentamente”.  

TYPE O’NEGATIVE “Black Number 1” (Álbum: “Bloody Kisses”, 1993)

Ao que tudo indica Peter Steele não levava muito a sério a história da sua protagonista, que “gostava da escuridão”, tinha um “encontro à meia-noite com Nosferatu”, estava “vestida para um funeral erótico” e deixava “folhas queimadas” por onde passava. Mas, se era uma brincadeira, foi levada a sério o suficiente por apreciadores das imagens de negro que a banda também não deixava de cultivar – aliadas a intensidade que o próprio Steele imprimia ao registo. O álbum em si catapultou-os ao “mainstream”, muito auxiliados por “Christian Woman”, outra história de uma “lady” de personalidade convulsa, onde lograram manter-se até o álbum seguinte, “October Rust”. Mais uma escolha de longa duração deste “top”, com muitas variações e onde surgem outros apreços da banda, que iam até o “hardcore”. 

CRADLE OF FILTH “A Gothic Romance (Red Roses For The Devil’s Whore)” (Álbum: “Dusk and Her Embrace”, 1996)

Longe de melodias “afáveis” mas mergulhadas no imaginário fantástico, os Cradle of Filth são outro singular representante de subgéneros como o gótico. Letras enormes, enxameadas de referências literárias, demonologia, figuras macabras e lendas diversas (o álbum “Cruelty and the Beast” é centrado, por exemplo, na figura semi-lendária e recorrente de Erzebet Bathory), somando a um instrumental rocambolesco que reúne de tudo – orquestras, pancadaria, guitarradas, gritarias, vocais guturais, “sereias” femininas e por aí afora. Pelo meio, muita provocação, claro, no qual Satanás de vez em quando aparece para júbilo dos rebeldes. “A Gothic Romance” traz momentos como “Ó pérola lunar, que feitiço lançaste sobre mim? / Seu beijo gelado fervia meu pescoço / Como ondas sussurrantes na praia de Aqueronte / Em meio a vozes doces e estátuas/ Que assombravam as árvores moribundas. /Essa sedutora devassa vestida de preto me tomou…”