Em declínio acentuado, os Oscars ainda contam?
Decorre hoje (27/03) a cerimónia dos Oscars, iniciando às 20h em Los Angeles – antecedida pelos desfiles no tapete vermelho que iniciam às 18h30.
Em paralelo às crises que o cinema têm enfrentado nos últimos anos, em especial no que concerne a experiência em sala com as restrições da pandemia e o aumento exponencial do “streaming”, os Oscars também podem estar a descer ladeira abaixo. O crítico do CulturaXXI André Gonçalves e o editor do C7nema, Jorge Pereira, lançam algumas hipóteses…
Declínio: a seca realidade dos números
Conforme contabiliza Jorge Pereira, o interesse dos Oscars tem diminuído drasticamente nas últimas décadas. Em 2000, 46,3 milhões viram a cerimónia em direto nos Estados Unidos. A última vez que a barreira ultrapassou a barreira dos 40 milhões foi em 2014. No ano passado, tivemos um mínimo histórico na casa dos 10 milhões de expectadores.
“É um resultado miserável e pior ainda quando falamos das pessoas entre os 18 e os 49 anos que assistiram aos prémios: um ‘rating’ de 2.12, o que representou uma queda de 60% em relação ao ano anterior”, observa.
Tentando combater essa queda livre, o crítico lembra que uma das estratégias foram as mudanças introduzidas na transmissão televisiva, onde estão a ser chamadas pessoas da música para levantar essas audiências, como a Beyonce e a Billie Eilish, que atraem essa faixa etária essencial em receitas publicitárias.
Caído, mas não destruído
Jorge Pereira ressalta, no entanto, que o desinteresse cada vez maior é quantificável em audiências, mas não podem haver dúvidas que, para os pequenos filmes, norte-americanos ou internacionais, os Oscars são ainda importantes. E isso não apenas quando a estatueta é entregue, mas logo após as nomeações.
“Até 13 de janeiro de 2020, dia em que foram anunciados os nomeados aos Oscars de 2019, o parasitas, estreado no final de setembro, tinham em Portugal cerca de 30 mil espectadores. Das nomeações e chegados a 12 de março, chegou aos 126 mil. Coincidência? Óbvio que não”, salienta.
Questões de diversidade e relevância cultural
André Gonçalves, por seu lado, reforça a importância da abertura de portas para a inclusão e a diversidade que os prémios terminam por estabelecer. “Podemos ver o futuro dos artistas e das temáticas premiadas, as portas que se abrem para que novas narrativas ocidentais se venham a consolidar. O Segredo de Brokeback Mountain em 2005, por exemplo, permitiu inúmeras variações com maior ou menor sucesso, só para citar um caso que me toca pessoalmente. O Get Out (br: Foge) de há cinco anos atrás, é outro caso óbvio”, analisa.
Por outro lado, o papel cultural institucionalizado do Oscar deve permanecer. “Eu diria que haverá sempre uma relevância cultural, nem que seja a de acrescentar a uma cultura geral, análoga a outras competições e premiações (Nobel, Jogos Olímpicos). Serão sempre perguntas de trivia futuras, de maior ou menor dificuldade, consoante a popularidade do vencedor, claro”.
E se os super-heróis fossem aos Oscars?
Como observa André Gonçalves, vivemos anos atípicos e durante esse período da pandemia houve uma uma prioritização clara – se questionável – por parte do grande público, em ver grandes espectáculos visuais no grande ecrã, sob o selo Marvel, DC ou outras marcas bem formadas, guardando o melodrama, esse género “isco” para a Academia, para o conforto de uma sala de estar. “Isso prejudica a visibilidade destes prémios”, salienta, “quando sabemos que, do top 10 de nomeados, o grande público nem metade terá ouvido falar”.
Então, será que os filmes de super-heróis deveriam ser incluídos? “Não acho que a solução seja colocar obrigatoriamente um filme de super-heróis ali. Se houve espaço este ano para o fazer? Eu sou uma das seis pessoas do planeta inteiro que ainda não viu o último Homem-Aranha, mas acredito que seja melhor que metade do alinhamento que temos ali, sim”.
O “streaming” vai vencer mas o cinema não vai morrer…
O suposto arquinimigo do cinema, o “streaming”, deve mesmo levar as estatuetas – pelos menos na previsão do André Gonçalves. Isso significa que a velha guarda, batizada com a expressão portuguesa dos “velhos do Restelo”, vai vaticinar novamente a morte do cinema. “Sim, diante do cenário que aponta com 99% de certeza para a vitória de um filme vindo ‘streaming’, caso do Power of the Dog (br: Ataque dos Cães, pt: O Poder do Cão) ou do CODA (br. No Ritmo do Coração), da Netflix e da Apple+ respectivamente, vamos ter os ‘velhos do Restelo’, aqueles que declaram a morte do cinema desde que o cinema é cinema a dizer que é o fim”, ironiza.
O crítico relembra ainda que, ao mesmo tempo, é certo que as campanhas agressivas (e bem-sucedidas) de Harvey Weinstein, independentemente da qualidade dos não envelheceram nada bem – e isso até antes do escândalo sexual. E o contínuo preconceito da Academia com o cinema de género (fantástico, terror, etc.) fez com que nos anos 80 tivéssemos vencedores altamente questionáveis, como Driving Miss Daisy (br: Conduzindo Miss Daisy / pt: Miss Daisy), em prol do que verdadeiramente melhor se fez em Hollywood nessa época.
“Não tenho dúvidas que os Oscar e o cinema em geral nos vão sobreviver a todos, a não ser que haja mesmo uma catástrofe que dizime por completo este planeta antes do nosso término natural… Hoje temos consciência do carácter simbólico que são os Oscar (e os Goya, e os Cesar, e os BAFTA, e assim sucessivamente) – não é para levar 100% a sério, porque as opiniões são o que são, ou melhor, as campanhas são o que são!”, complementa.
Sobre os filmes do Oscar ver aqui.