Doclisboa 2022: “Dreaming Walls”
Filme da secção Heart Beat, onde o foco recai sobre o hotel Chelsea, localizado no coração de Manhattan, e que já foi abrigo de muitos artistas famosos, como Janis Joplin, Patti Smith, Leonard Cohen, Jim Morrison, Robert Mattlethorpe e a trupe da Factory de Andy Warhol. Já há oito anos em obras para ser transformado num hotel de luxo, enfrenta a resistência de velhos moradores.
A pergunta sobre o que é a arte ecoa a um dado momento no filme, numa fugaz observação de um dos entrevistados. As realizadoras belgas Amélie Van Elmbt e Maya Duverdier, sob a produção executiva assinada por ninguém menos que Martin Scorsese, propuseram, sobretudo isto: um filme sobre a arte – que termina com a dedicatória “a todos aqueles que já passaram pelo Chelsea Hotel”.
Essa ideia pressupõe que o lugar foi, sobretudo, uma espécie de santuário de artistas – mas também, e talvez tudo junto, local de refúgio de adictos, prostitutas e traficantes. Nada mais óbvio para encarnação de todo esse universo do que “Chelsea Girls”, coescrita por Lou Reed e imortalizada como um clássico “trash/avant-garde” por Nico.
Mas não é destes célebres fantasmas que Dreaming Walls vive; mais do que um filme sobre ilustres visitantes (pelo que consta até Oscar Wilde por lá passou!) ou a natureza da expressão artística, trata-se, ainda mais, de uma obra sobre a velhice. Tudo no hotel respira declínio, ruína, passagem do tempo (ou não fosse estar massivamente em obras) e melancolia – embora tenta evitar ao máximo ser um trabalho sobre decadência. De alguma forma, aquelas almas que perambulam por seus corredores estão muito imbuídas no passado, mas algumas também continuam a criar – como se o espírito artístico as permitisse continuar em frente.
Talvez por isso as cineastas tenham guardados para o fim um dos seus momentos mais emocionais: a pintora Bettina Grossman, a mais velha habitante do hotel (faleceria em 2020, com 94 anos), muito lúcida ainda assim – embora com pouca probabilidade fale de idas à Europa para exposições em Hamburgo e em Paris. Grossman diz que nunca quis ter filhos – ou, mesmo, relacionamentos: ela tinha que estar focada em “full time” à sua arte – “e é por isso que tenho que continuar”, diz ela.