Doclisboa completa 20 anos com a exibição de 281 filmes

Doclisboa completa 20 anos com a exibição de 281 filmes

Outubro 5, 2022 0 Por Roni Nunes
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Entre curtas e longa-metragens, o maior festival de documentários em Portugal reúne quase três centenas de filmes – espalhados por seções retrospetivas e muitas novidades.

Três filmes marcam as secções de Abertura e Encerramento: duas curtas na primeira, entre os quais o novo trabalho de Lucrecia Martel (Terminal Norte) e outra que cede protagonismo à fadista portuguesa Lula Pena (Telegrama), e uma longa para arrematar. Esta apresenta outro talento lusitano, o veternano diretor de fotografia de tantas obras fundamentais do cinema português, Acácio de Almeida, co-realiza com Marie Carré Objetos de Luz.

Cinema brasileiro fora de portas: Carlos Reichenbach

A grata surpresa do festival reside numa retrospetiva praticamente completa (faltou Uma Corrida em Busca do Amor devido ao mau estado de conservação da única cópia existente) dedicada a Carlos Reichenbach, um dos mais importantes cineastas brasileiros – estabelecendo uma perspetiva pouco convencional de um cinema que, no exterior, praticamente se resume a Glauber Rocha ou alguns filmes populares – como Tropa de Elite ou Cidade de Deus.

O cineasta começou nos anos 60 num âmbito de negação do Cinema Novo – tão prestigiado pela elite cultural quanto ignorado pelo público casual. Nesta via, uma das ideias do posteriormente batizado “cinema marginal” era essa: trazer ideias politicamente revolucionárias dentro de um cinema direcionado a grandes audiências. Reichenbach utilizaria elementos da “sexploitation” ao longo dos anos 70 como ferramenta política, enquanto Anjos do Arrabalde, de 1986, torna-se um clássico do realismo social brasileiro. 

“Anjos do Arrabalde”

Cinema urgente

Num festival de marcada índole política, algo que se espalha por toda a programação, um dos destaques é a sessão Cinema de Urgência, onde o certame aproxima-se de temáticas contemporâneas trazendo retrato de ativismo no terreno. É o caso de Uma Nova Narrativa para Ucrânia, onde diversos cineastas documentam os medos e os sonhos dos jovens na região do Donbass, e Campo Aberto – que fixa-se nas experiências de afegãos nos campos de refugiados da Grécia.

Da Eslováquia à Amazónia

Como em geral hoje em dia o festival é muito marcado pelo identitarismo e também por muitas propostas intimistas mas, aparentemente, há obras que contrariam a tendência: no eslovaco Ordeal, segue-se uma grande investigação que revela as fragilidades do Judiciário da morte de um jornalista e a sua noiva, enquanto Tantura dentro de um contexto nem sempre devidamente lembrado: o varrimento de aldeias inteiras da Palestina quando, em 1948, o Ocidente resolveu estabelecer o Estado de Israel.

Vinda do Brasil a trilogia de Vincent Carelli sobre a tragédia dos índios traz novamente Martírio, exibido no Doclisboa de 2016, com o filme inaugural, Corumbiara, de 2009, e o mais recente, Adeus, Capitão.  Destaque ainda para JFK Revisited: Through the Looking Glass (foto de abertura), onde o sempre entusiasmante Oliver Stone transforma em factos teorias da “conspiração” exploradas em JFK, seu épico de 1991 sobre a morte de John F. Kennedy.

“Lynch/Oz”

“Rock” e cinema

Numa das seções mais apreciadas do festival, o seu passeio pelas artes esse ano dá um giro pelas mais diversas formas de expressão – com destaque para o cinema. Entre os títulos, Godard Cinema, recém estreado no Festival de Veneza, tenta um perfil mais pessoal do cineasta – falecido em setembro. Outro cineasta de culto, David Lynch, beneficia de uma obra (Lynch/Oz) onde convidados estabelecem conexões entre a sua obra e o mítico The Wizard of Oz (O Feiticeiro de Oz, pt, O Mágico de Oz, br).

Na música, o “rock” marca a sua presença em Dio: Dreamers Never Die, onde o foco é a vida de Ronnie James Dio, o vocalista que marcou os primeiros álbuns do Rainbow e substitui Ozzy Osbourne nos Black Sabbath antes de uma imponente carreira solo.

A questão colonial

Um mergulho na muita debatida questão colonial: filmes de diversos décadas e formatos percorrem as múltiplas geografias da descolonização africana – em particular a de países lusófonos (Angola, Moçambique, Guiné-Bissau) e uma ênfase na selvática guerra da independência argelina.