Doclisboa 2022: “O que Podem as Palavras”
Se uma mulher incomoda muita gente, três incomodam muito mais. A partir desta constatação, três escritoras juntaram-se ainda sob o manto apodrecido da ditadura portuguesa, em 1972, para uma aventura literária que lhes valeu uma tentativa de humilhação pública e uma quase ida para a prisão.
Assim, enquanto recupera um episódio singular da literatura lusitana (uma obra de autoria diluída a três, sem formato definido e composto de uma miscelânea de ensaios, histórias, poesias etc.), o filme de Luísa Sequeira e Luísa Marinho transfere um episódio histórico, como de costume nos dias que correm, para o ativismo contemporâneo – para isso beneficiando do facto do Estado Novo em vias de desagregação dar um verdadeiro tiro no pé ao proibir o livro ainda antes da chegada às livrarias.
Por muitas portas travessas e alguma sorte, a obra escapuliu dos negros horizontes da ditadura para ares muito mais libertários – nomeadamente os dos protestos e convenções feministas que espalhavam-se pela Europa do norte e pelos Estados Unidos. O resultado foi uma comoção internacional; duas semanas depois do 25 de abril, em 1974, as três autoras eram ilibadas da ameaça que pairou sobre as suas cabeças durante dois anos e o movimento feminista em Portugal ganhou novo impulso – de certa forma mostrando “o que podem as palavras”.