Da breguice da Eurovisão à ultravelocidade do sucesso: o novo álbum do Måneskin
Janeiro de 2023 assistiu o lançamento de “Rush!”, o terceiro do Måneskin.
Mesmo combalido no “mainstream” o “rock’n’roll” sobrevive entre saraivadas de guitarras e escandaleiras “glam” – com direito a prêmio na breguíssima Eurovisão e uma rampa aparentemente imparável para os píncaros. No “pit stop” uma parceria com o gigante Tom Morello e um exército de produtores do “pop” para garantir a permanência na primeira liga. Longa vida ao… Måneskin.
“Sono fuori di testa, ma diverso da loro…”
A Eurovisão, concurso que reúne um artista de cada país da Europa, pode ser dos eventos mais bregas da história da música, mas é certo que, pelo menos na edição de 2021 e no caso do Måneskin, possibilitou alguma variação geográfica ao permitir que uma banda vinda da península Itálica tomasse o mundo de assalto.
No “pop” e géneros tradicionais já houve, certamente, gente que ultrapassou os Alpes italianos, mas, no “rock”, talvez exista pouco mais do que a solitária aventura do Lacuna Coil, uma bela banda de “gothic metal” cujos melhores momentos pertencem à década passada e, mais longe ainda no tempo, os progressivos do Premiata Forneria Marconi ou o magnífico Goblin viajando com as bruxas de Dario Argento.
“The king is gone but he’s not forgotten”
Neil Young dedicou seus melancólicos versos à hecatombe “punk” do final dos 70, mas nem nesta altura o “rei” estava tão combalido no “mainstream” como anda por estes dias.
Assim, tudo faz ainda mais sentido depois que o grupo conquistou o público da Eurovisão (não o júri, que teria dado prémio a outro artista) com uma explosão de energia na sensacional “Zitti e Buono” – e onde até as polêmicas posteriores sobre o alegado uso de cocaína pelo cantor Damiano David em plena transmissão (para desespero da Eurovisão, que depois “o inocentou”…) entraram para o material do qual se fazem as lendas do velho mas não morto Signor.
Não é à toa que, no mesmo evento, Damiano tenha dedicado uma “longa vida ao ‘rock’n’roll’”…
Correria, velocidade, urgência: “quo vadis”?
Talvez inusitadamente, eles sobreviveram à explosão mediática propiciada pelo concurso – eventualmente à pala de um golpe de sorte que foi a adesão maciça do público do Tik Tok à enésima “cover” de “Beggin”, clássico de Frankie Valli dos anos 60.
E o que vem a seguir, depois de vastas excursões, mais alguns “singles” bem-sucedidos incluídos no novo álbum (“Mamma Mia”, lançado em outubro de 2021, “Supermodel” em maio de 2022 e “The Loneliest” em outubro de 2022)?
Bom, primeiro saiu uma parceria com o enorme Tom Morello – que foi buscar os solos característicos de uma das bandas mais brutais dos 90s, o Rage Against the Machine. O resultado: “Gossip” – a constatação do circo do “show business” em geral, de Los Angeles (“terra das mentiras”) em particular.
“I wanna f***… let’s go to my spot”
As letras circulam entre a provocação (“Cocaine is on the table / Don’t care we’re rebels, rebels” de “Feel”) à mais pura “poesia” de “Blah Blah Blah” (“I wanna fuck, let’s go to my spot/ But I’m too drunk and I can’t get hard”). Das músicas, há hilariedades (“Cool Kids”), petardos potentes (“La Fine”, “Gasoline”, ) e aquelas que contornam as fronteiras entre o “rock” e “pop” e estão destinadas a garantir sucesso com respeitabilidade (“Gossip”, “Own my Mind”, “Supermodel”, “Baby Said”).
De qualquer forma, se o “show business” é um circo, por via das dúvidas é melhor ficar dentro dele. Assim, não houve brincadeiras e na composição e produção enfileirou-se um exército de apetrechados homens do “pop” cujas carreiras já se cruzaram com “hits” de luminares que vão de Dua Lippa ao Imagine Dragons. O ouro para o bandido, aliás, é entregue naquela que é felizmente a última da “tracklist” – “The Loneliest”, que podia estar num álbum de Ed Sheeran ou assemelhados.
“Queerbaiting”
E a atenção e a benevolência com que a grande imprensa internacional tem concedido à essa mistura de sarcasmo, imagem “glam”, “marketing” ultrajante (a última polêmica os acusa de “queerbaiting”…), guitarradas (cortesia de Thomas Raggi) e dinamismo nas baquetas (Ethan Torchio) cheira ao mais puro espírito juvenil. Neste sentido talvez o comentário mais preciso venha da Clash Music: (o álbum) é “uma lembrança feroz de como rock’n’roll pode ser divertido”.