Comunismo x nazismo: fragmentos de uma alienação histórica

Comunismo x nazismo: fragmentos de uma alienação histórica

Março 5, 2022 0 Por admin
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Inaugurando a seção “Brainstorm”, um espaço dedicado à reflexão aprofundada sobre acontecimentos históricos ou do mundo contemporâneo, o economista Christian Velloso Kuhn debate-se sobre o grave problema da alienação histórica. A análise surge a partir da polémica envolvendo o “youtuber” Monarck mas continua, por exemplo, nas justificações do presidente russo Vladimir Putin para invadir um país soberano. O ensaio está divido em duas partes.

Por Christian Velloso Kuhn

Apesar do país passar por uma forte crise econômica, social e política, parece que algumas autoridades brasileiras preferem tratar nas redes sociais de temas menos eficazes e prementes para enfrentá-la. Primeiro, no programa Flow no Youtube do dia 07 de fevereiro, o apresentador Monark deu declarações apoiando a liberdade de expressão de modo irrestrito, afirmando que a lei deveria permitir funcionar um partido nazista no Brasil, uma vez que se um indivíduo “quisesse ser antijudeu, (…) ele tinha o direito de ser”. No mesmo programa, o deputado federal Kim Kataguiri criticou a Alemanha por ter criminalizado o nazismo, visto que seria preferível que deixasse essa decisão ser tomada pela própria sociedade civil, sem usar o Estado para criação dessa imputação.

Após, como se não tivesse nada mais urgente para se preocupar, o presidente Bolsonaro, dois dias após no seu perfil no Twitter, publicou uma comparação do comunismo com o nazismo, sugerindo que a legislação brasileira deveria impedir a formação de organizações que apregoem “antissemitismo, a divisão de pessoas em raças ou classes, e que dizimaram milhões de inocentes ao redor do mundo, como o comunismo”.

Liberdade de expressão e alienação histórica

Obviamente, a liberdade de expressão é um assunto relevante, sobretudo um direito a ser garantido nos regimes democráticos. A isonomia de tratamento às ideologias, conquanto respeitando os direitos humanos, faz-se igualmente necessária. A própria Constituição Brasileira de 1988 é classificada como eclética, por se fundar em várias ideologias.

Contudo, a carta magna, no seu artigo 17, deixa bem claro que a criação de partidos políticos deve resguardar “os direitos fundamentais da pessoa humana”. Ademais, a Lei nº 9.096/1995, que regulamenta esse artigo da constituição, no seu artigo 6º, proíbe o partido político de “ministrar instrução militar ou paramilitar, utilizar-se de organização da mesma natureza”.

Monark e uma defesa alienada da liberdade de expressão

Desse modo, em virtude da persistência de libertários de direita, anarcocapitalistas (ANCAP´s) e outros preconizadores de um liberalismo vulgar proferirem falácias sobre comunismo e nazismo, totalmente alienadas quanto a sua história, é oportuno que se esclareça mais sobre essas duas ideologias e seus respectivos regimes. Assim, pretende-se nesse artigo desmistificar e contra-argumentar algumas falácias frequentemente defendidas por esses atores.

O nazismo e a superioridade racial

Conforme matéria publicada pela BBC News Brasil*, a primeira diferença a destacar entre comunismo e nazismo diz respeito a suas diferenças ideológicas. No nazismo, está incutida como um dos seus pilares a superioridade racial. Para os seus seguidores, o povo germânico eram descendentes diretos dos “árias”, uma tribo europeia original, e por causa disso, reivindicavam o posto de “europeus genuínos”. Por exclusão, todos aqueles que não fossem descendentes dessa raça, eram considerados “inimigos” ou “parasitas”.

A base ideológica do nazismo estava calcada, primeiramente, no Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães – mais conhecido como Partido Nazista – já em 1920, quando discriminavam os judeus. Após assumir a liderança do partido nazista no ano seguinte, Adolf Hitler escreveu seu livro autobiográfico Mein Kampf em dois volumes (1925 e 1927), estendendo sua ira também contra os marxistas e eslavos. A partir daí, é o livro de Hitler que dá sustentação ideológica ao Partido Nazista.

Os trilhos de Auschwitz

Posteriormente, enquanto assumiram o poder entre 1933 e 1945, Hitler e seu partido “institucionalizaram o racismo”, formulando uma legislação que estabelecia que somente os alemães de “sangue” é que poderiam ser considerados cidadãos. São excluídos de terem os mesmos direitos judeus, ciganos, negros e eslavos. O regime nazista ainda dizimou indivíduos com deficiências físicas e mentais.

Então, segundo o historiador britânico Richard J. Evans, entrevistado para matéria da BBC News Brasil, em termos ideológicos, a distinção entre comunismo e nazismo é que este discriminava quem não pertencesse à mesma etnia e raça dos alemães. Para o historiador, “Hitler considerava ser judeu uma raça, não uma religião”. Todavia, uma raça “subversiva” e “perigosa”, que desejava acabar com a civilização. Elegendo-os como “inimigos do mundo”, definiram o objetivo de exterminá-la.

O comunismo: da ideologia igualitária ao uso da força

Monumento às vítimas dos “gulags” no Cazaquistão

Por outro lado, a ideologia comunista está baseada na igualdade entre os indivíduos de uma mesma sociedade. Para atingir essa igualdade, defende-se o fim das classes sociais e da propriedade privada. Logo, diferentemente do nazismo, não apresenta no seu bojo qualquer elemento de eliminação de indivíduos de outras etnias e raças. Contudo, para instituir um sistema igualitário, cria-se que era necessário enfrentar uma luta de classes. Quando Marx e Engels publicaram o seu Manifesto Comunista em 1848, preconizavam um movimento da classe trabalhadora, mas a luta de classes preconizada por eles não era com o objetivo de uma classe eliminar os indivíduos da outra, mas lutar pelos seus direitos enquanto proletariado.

Todavia, quando se considera como essa ideologia foi seguida, por exemplo, na ascensão do regime comunista da União Soviética, “de fato, (…) envolveu conflitos sangrentos, com os assassinatos de opositores do regime, de elites e da família inteira do czar russo Nicolau II“, argumenta Evans.

Comunismo – o primo próximo do fascismo

Como bem define Evans, a ideologia do comunismo apregoa que as pessoas devem ser iguais, receber a mesma remuneração e o Estado deve ser proprietário de todos os meios de produção, uma vez que é o representante do povo. Contudo, a grande dificuldade na História foi implantar esse regime sem recorrer à violência, como na Revolução Russa de 1917. Mas isso não quer dizer que a luta de classes deva ser necessariamente violenta, tanto é que muitos dos comunistas atualmente não defendem mais o uso da força.

Para Elazar Barkan, historiador israelense, o comunismo possui mais semelhanças com o fascismo, já que pode se manifestar de diferentes formas e tem como prerrogativa a eliminação dos críticos do regime. Já o nazismo é um regime diferenciado, pois é projetado para a exterminação de determinados grupos étnicos e raciais. 

* https://www.bbc.com/portuguese/internacional-60407090