CODA: o “pequeno” filme que pode triunfar nos Oscars
Cultura XXI prossegue com uma série de postagens relacionadas aos Oscars, cuja cerimónia de premiação realiza-se a 27 de março. Depois de outros artigos disponíveis aqui, é a vez de um dos potenciais candidados à estatueta de Melhor Filme – para além de concorrer a mais duas categorias.
Por André Gonçalves
A narrativa do “pequeno” que faz frente aos gigantes tem fascinado as pessoas e os norte-americanos em particular. Geralmente associada a competições desportivas, o que é certo é que quem viu corridas suficientes ao Oscar sabe que é exatamente a mesma história: da vitória mais recente do sul-coreano Parasitas, de Bong Joon-ho, ao choque de ver Crash (Br: Crash – No Limite / Pt: Colisão), de Paul Haggis, triunfar sobre O Segredo de Brokeback Mountain de Ang Lee há 16 anos atrás, temos aqui um espectro bastante grande do que constitui o que os ingleses definem de “underdog”.
Por outras palavras, trata-se do pequeno coitadinho que, por um efeito bola de neve, começa a reunir um voto de esperança em chegar ao lote de nomeados e, a seguir, a caçar paixão pela resistência que oferece face a títulos maiores, com orçamentos, estúdios e/ou bilheteiras maiores.
CODA começa o seu percurso como outros filmes “indies” norte-americanos: no Festival de Sundance. Aí há logo sinais de que não devemos subestimá-lo: conquista nada mais nada menos que quatro prémios, feito até então único: o grande prémio do júri (o principal), o do público, para melhor realizador e um especial para o elenco – uma unanimidade rara do certame.
A “pequena gigante” Apple apressa-se a comprá-lo para o seu serviço de “streaming”, estabelecendo um novo recorde para o montante da compra dos direitos de distribuição: 25 milhões de dólares. E, numa era em que finalmente as mulheres realizadoras começam a ganhar mais reconhecimento e a incentivar uma maior igualidade futura no acesso a este trabalho, CODA tem o trunfo de ter mão feminina no argumento e realização: Sian Heder, que tinha escrito e realizado um simpático mas inconsequente Tallulah (2016).
O trunfo extra está na passagem ao “mainstream” de uma consciência por deficientes auditivos e respetivos filhos (CODA é, precisamente, o acrónimo que serve para “categorizar” esses filhos de pais surdos). Este tema da deficiência auditiva tem um precursor importante no nomeado a Melhor Filme do ano passado Sound of Metal, e volta a ter o seu destaque noutro nomeado a este ano, que prefiro não mencionar para não me acusarem de “spoiler”.
CODA, infelizmente, não tem a imersão de um ou a progressividade narrativa do outro em integrar o tema em algo maior que não deixa de questionar a discriminação de pessoas surdas em lugares artísticos. Tem, no entanto, face ao filme que gerou esta adaptação – o campeão de bilheteiras francês A Família Belier, um maior cuidado no “casting” dos papéis desta família, sendo escolhidos o até agora desconhecido Troy Kotsur (também com Oscar à vista), Marlee Matlin, já com o Oscar em casa pela performance em Children of a Lesser God (br: Filhos do Silêncio – pt: Filhos de um Deus Menor) e Daniel Durant, todos eles com surdez.
O único membro que consegue ouvir e interpretar esta família para o mundo exterior é Ruby (Emilia Jones, outra revelação aqui). É sobre esta jovem que recai o dilema clássico: seguir ou não o seu sonho de cantar num concurso de canções sendo que, ao seguir esse sonho, deixa a sua família “desprotegida” de uma intérprete à altura.
Será “spoiler” dizer que o filme se desenrola precisamente como nós o imaginámos, tendo visto ou não A Família Belier? Mas é precisamente graças a esse conforto de drama de domingo à tarde que o filme foi conquistando aos poucos uma base forte (i.e. bem abrangente) de fãs que o querido da crítica The Power of the Dog (br: Ataque dos Cães; pt: O Poder do Cão), por exemplo, simplesmente não tem, apesar de ter objetivamente mais “cinema”. E pode ser esse abismo entre crítica e povo do filme de Jane Campion que pode fazer pender a balança no próximo dia 27 para o filme de Heder…
A melhor comparação que consigo arranjar para um filme como este é Com Amor, Simon, na altura uma obra consensualmente creditada como a primeira comédia romântica de grande estúdio entre dois “gays” e que, depois de visto, percebeu-se de facto a importância, mas deixou um travo de frustração por estarmos ainda atrasados ao ponto de termos que aplaudir um modelo que já se encontra esgotado, só porque de facto faz história por ser o “primeiro” para a respetiva minoria.
Com a provável vitória do Oscar de Melhor Filme, CODA faz história, sim, mas é uma história que já devia estar registada e que peca por vir tarde demais. Esperemos só que esta porta de entrada para uma maior representatividade em Hollywood permita histórias mais desafiantes que esta “pioneira”.