Cannes 2021, filmes: Ozon, Val Kilmer, Binoche, Depardieu, Ronit Elkabetz

Enquanto Cannes avança para o seu terceiro dia uma série de filmes vão aparecendo pelo caminho. Às duas obras diárias da Seleção Oficial, Sessões Especiais, A Certain Regard e Quinzena dos Realizadores seguem lançando muitos dos filmes que vão marcar o ano cinematográfico.
“EVERYTHING WENT FINE”, François Ozon (Seleção Oficial)

Na sua praticamente assegurada participação anual em Cannes François Ozon agradou de forma geral com o seu drama sobre a eutanásia. “Everything Went Fine” foi considerado uma abordagem convencional (felizmente) e realista que aposta as suas fichas no tema em si e, principalmente, na dinâmica familiar. Esta é estabelecida pela figura de André Dussolier, que depois de ficar em má forma em função de um ataque cardíaco decide que já não quer viver. Quem fica no meio do dilema é a personagem de Sophie Marceau – a filha que sempre teve respeito e, eventualmente, medo, do pai. Pelas críticas já se pode adivinhar qualquer coisa nas premiações – ou para Marceau ou para Dussolier. O elenco ainda tem mais veteranas de luxo: Charlotte Rampling e Hanna Schygulla.
“VAL”, Leo Scott and Ting Poo (Sessões Especiais)

Globalmente bem recebido, presentes na Croisette têm sugerido um filme carregado de emocionalidade – particularmente marcado pela trajetória algo trágica de Val Kilmer. O ator, que começou com “Top Gun” e deixou a sua marca no cinema ao encarnar Jim Morrison no filme de Oliver Stone (“The Doors”, 1991), filmou ele próprio horas e horas da sua própria vida. Assim, os realizadores, em trabalho coproduzido pelo próprio Kilmer, mergulharam nos arquivos para propor uma edição de um material que promete revelador de uma trajetória “hollywoodiana”. O ator teve um cancro de garganta diagnosticado em 2014. Venceu a batalha, mas perdeu a voz e, quando quis transformar em áudio as suas palavras, foi substituído no filme pelo filho, Jack Kilmer. Foi ele e a irmã, Mercedes, que representaram o ator em Cannes para os aplausos.
“BLACK NOTES”, Schlomi Elkabetz (Sessões Especiais)

Outros documentário pessoal e emocional, com um final ainda mais trágico, é “Black Notes”. As três horas e meia do filme são levadas a Cannes por Schlomi Elkabetz, irmão da atriz e realizadora israelita Ronit Elkabetz. A cineasta, autora do poderoso “Gett: The Trial of Viviane Amsalem” (2014) e que, depois de uma intensa carreira onde arrajou problemas com a imprensa israelita e questionou duramente a condição da mulher na rígida sociedade do seu país, veio a falecer precocemente de um cancro de pulmão em 2016, aos 51 anos. Segundo Diego Battle, do “website” Otroscines, “… formam parte desta algo caótica, dolorosa (…) por momentos fascinante mistura de ‘thriller’, ‘home movie’ e tributo de um irmão à sua irmã, que vivem muito menos do que gostaríamos…”
“BETWEEN TWO WORLDS”, Emmanuel Carrière (Quinzena dos Realizadores)

Juliette Binoche protagonizou a abertura da Quinzena dos Realizadores com uma obra que foi recebida como “simpática” pela crítica. Ao que parece a abordagem evoca o realismo social de Ken Loach ou dos irmãos Dardenne ao focar-se na história real de uma jornalista que infiltrou-se entre as empregadas da limpeza de uma empresa de Caen – norte da França. A ideia era retratar as condições de trabalho das mulheres – objetivo que vai ficando mais complexo à medida que a protagonista desenvolve laçãos afetivos com algumas colegas. Uma das tarefas da personagem de Binoche é limpar os comboios no intervalo entre o embarque e o desembarque dos passageiros do trajeto para Londres.
ROBUST, Constance Meyer (Semana da Crítica)

Se Binoche abre a Quinzena, outro ícone do cinema francês, Gerard Dépardieu, protagoniza o arranque da Semana da Crítica. Ele aqui é um ator bem-sucedido que vive de forma amarga e solitária e, apesar de habitar uma bela casa nos subúrbios de Paris, diz coisas como “Eu gostaria de estar morto, assim as pessoas me deixavam em paz”. O contraponto para a sua solidão será dado pela sua guarda-costas e lutadora de “wrestling”, vivida por Débora Lukumuena. Obra de estreia de Constance Meyer, que tem no currículo três curtas-metragens, duas das quais com Depardieu. Segundo disse à Cineuropa a propósito das diferenças dos seus personagens (classe social, idade, cor da pele, meio profissional), o seu interesse era pôr em contato pessoas que nada tinham em comum – mas com foco na solidão delas e não numa agenda social.