Cannes 2021, filmes: Kogonada e diversas “raparigas em chamas”

Cannes está no quarto dia e segue lançando filmes que constarão nas agendas dos diversos circuitos ao longo do ano.
“AFTER YANG”, Kogonada (A Certain Regard)

Uma das grandes expectativas do festival era a abordagem “sci-fi” sob o comando de Kogonada – o realizador sul-coreano que deu nas vistas em 2017 com “Columbus”. Tendo no elenco Colin Farrell, o filme envolve questionamentos filosóficos (a pergunta “o que há de tão importante no ser humano?) ao narrar a história, situada num futuro longínquo, de um robô comprado por um casal para a filha. Esta era adotada da China e, portanto, a máquina teria a utilidade de ajudar a menina a manter laços com o seu país natal. Mas com as ausências dos pais estar torna-se muito mais importante para a família e despoleta o caos quando avaria. A Collider chamou “o melhor filme sobre inteligência artificial em muitos anos” e o eco positivo manteve-se em outros veículos, que usaram palavras como “minimalista” e “poético”. “After Yang” é uma das melhores esperanças a sair de Cannes para o circuito comercial.
“GREAT FREEDOM”, Sebastian Meise (A Certain Regard)

Em termos de temática LGBT o segundo filme do cineaste austríaco, nove anos depois da sua estreia com “Still Life”, soa como um dos mais fortes da contenda. Para simbolizar a situação do seu protagonista, Meise encenou a ação dentro dos limites de uma prisão. Foi numa delas que passou a maior parte da sua vida adulta Hans Hoffman, numa história tristemente verídica na qual, depois da libertação dos presos dos campos de concentração, no final da 2ª Guerra Mundial, os homossexuais foram transferidos para outras penitenciárias. Em causa estava uma lei de 1872, o artigo 175, que considerava a homossexualidade como um crime. Mesmo na hoje sofisticada Alemanha, tal fóssil jurídico só foi retirado do código penal em 1969!
“LINGUI, THE SACRED BONDS”, Mahamat-Saleh Haroun (Seleção Oficial)

A quota africana de Cannes (de produção francesa) aparece preenchida pelo realizador nascido no Chade e que vive desde 1982 em Paris. Foi de lá que, nos cinco dos seis projetos que concretizou, saiu para filmar no seu país Natal. Alguns destes filmes já apareceram por Cannes, como “A Screaming Man” e “GriGris”. Em “Lingui”, Haroun construiu uma história em torno da questão do aborto, um tabu não só religioso como proibido por lei numa sociedade onde isso tem graves consequências. Como muitas vezes acontece nestes casos, as boas intenções ficam-se por agradar agendas sociais – ao gosto da imprensa “yankee” (veja-se a “crítica” da Indiewire). O que pode ou não ocorrer é o filme ter algo mais a oferecer. Segundo Carlos Heredero, dos Cuadernos de Cine Cayman, não tem: “Não há muito mais num filme de realização tão correta e esmerada como plana e carente de espessura, sem resquícios para ambiguidade ou complexidade mais além do evidente”.
“THE HILL WHERE LIONESSES ROAR”, Luàna Bajrami (Quinzena dos Realizdores)

Das mulheres da África para as do Kosovo, permanece o conforto do “background” francês da produção e do local onde vivem os realizadores e muda o incómodo: aqui é mais existencial o que sentem as três adolescentes filmadas por Bajrami, uma das atrizes principais de “Retrato de uma Rapariga em Chamas”. Ela estreia-se como cineasta com apenas 20 anos e resolve visitar o seu local de origem para contar a história de três jovens unidas pela amizade, pela falta de perspetivas e por uma decisão, tanto material quanto existencial, de começar a cometer crimes para juntar dinheiro. Soa como “Spring Breakers”.
“LIBERTAD”, Clara Roquet (Semana da Crítica)

E mais histórias de adolescentes no feminino vêm de Espanha. Desta feita o enredo é centrado na dinâmica da amizade entre uma tímida, correta e rica espanhola cuja vida é sacudida pela chegada de outra “teenager” vinda da Colômbia. Chamada justamente Libertad, ela é filha da empregada da mãe da outra menina. Libertad morre de tédio na pequena localidade litorânea onde ambas estão e termina por arrastar a outra para aldeia onde envolvem-se em namoriscos e outras aventuras antes dos conflitos que acabarão por pesar pela diferença de classes. Cá fora tempos também difíceis: Clara Roquet, que estreia-se na realização depois ter sido argumentista de “Petra”, de Jaime González, não pôde acompanhar a ovação ao filme por estar a cumprir uma quarentena devido ao Covid…