As primeiras cidades da Antiguidade Oriental: a dinamização da civilização
No final do terceiro milênio a.C., 90 por cento da Mesopotâmia meridional vivia em áreas urbanas. Com uma densidade populacional em torno de 100–200 habitantes por 1.000 metros quadrados, isso daria uma contagem total de 27.500–55.000. A área construída de Ur. No final do quarto milênio, os assentamentos rurais superavam os urbanos na proporção de 4:1. Seiscentos anos depois – isto é, no meio do terceiro milênio – essa proporção havia se invertido completamente.
A “História começa nas cidades”?
“A História começa na Suméria”. Assim o estudioso Samuel Noah Kramer intitulava o seu clássico sobre a análise da cultura do povo que deixou alguns dos primeiros registos escritos e uma série de outros indícios que denotavam intensa atividade no sul do atual Iraque e próximo do Golfo Pérsico.
Outro historiador mais recente, Peter Watson, nomeia 27 factos descobertos ou adquiridos pelos sumérios – os quais estiveram entre os primeiros povos a desenvolver a escrita, a criar escolas, bibliotecas, um sistema legal e a deixar os primeiros épicos da literatura, só para citar alguns itens. E todo esse vigor, segundo Watson, vem de um facto: a vida nas cidades. “As cidades foram de longe mais competitivas e experimentais do que qualquer coisa que existiu antes”, diz ele.
O movimentado mundo do comércio
A vida urbana e, especialmente, o comércio, traduziu-se sobretudo numa palavra: dinamismo. Foi dentro deste quadro de cooperação necessária, onde vastas redes de intercâmbio económico foram instituídas, que surgiram coisas como a escrita, as leis, a burocracia institucional, as ocupações especializadas, a educação e o sistema de pesos e medidas.
Conforme observa Watson, “as realizações dessas cidades e Cidades-Estados foram impressionantes e perduraram por cerca de vinte e seis séculos, com um número notável de inovações sendo introduzidas, criando grande parte do mundo como o conhecemos e vivemos. Foi lá que a música, a medicina e a matemática foram desenvolvidas, onde as primeiras bibliotecas foram criadas, os primeiros mapas desenhados, onde a química, a botânica e a zoologia foram concebidas. Pelo menos, é o que supomos. A Babilônia é o berço de tantos ‘primeiros’ porque também é o lugar onde a escrita foi inventada e, portanto, sabemos sobre a Babilônia de uma forma que não conhecemos a história anterior a ela.”
Através do rio
Não é fácil para um olhar contemporâneo descortinar naquilo que restou da movimentada civilização que se esconde por trás das suas ruínas, mas os arqueólogos têm sido incansáveis.
Marc Van de Mieroop, no seu “The Ancient Mesopotamian City”, sugere a seguinte visualização para os centros urbanos que floresceram a partir de 4000 a.C.:
“Quando alguém na antiguidade se aproximava de uma cidade mesopotâmica, seja por uma estrada ou de barco em um curso de água, ele ou ela teria percebido a presença da cidade muito antes de chegar a ela. Mais campos cultivados apareciam, junto com as aldeias de trabalhadores agrícolas cuidando deles. Os edifícios monumentais da cidade seriam visíveis de longe, especialmente o zigurate que se erguia acima do resto da cidade. O primeiro elemento urbano encontrado seria o distrito portuário, onde o comércio interurbano ocorria. No sul da Mesopotâmia e ao longo dos rios no Norte, isso seria um porto real em um rio ou canal, enquanto em outros lugares, era um centro mercantil localizado nas rotas terrestres que passavam pela cidade.”
Da cidade das casas sem portas às redes de saneamento
Um dos marcos do “proto-urbanismo” foi a aldeia neolítica Çatalhöyük, cujas ruínas localizam-se hoje a 250 km ao sul de Ancara. Com uma estranhíssima forma de organização para padrões modernos, as habitações eram feitas de tijolos de barro eram construídas lado a lado, sem ruas ou corredores. Esse “design” incomum obrigava os habitantes a entrarem nas casas pelo teto, utilizando escadas e rampas – sendo que as moradias formavam uma rede interligada.
Mas os primeiros centros urbanos mais reconhecíveis são, certamente, os da Suméria – particularmente Ur, Uruk e Lagash – seguida no tempo por diversas cidades-Estado de grande importância, como Mari e Ebla. Locais como Babilónia e Nínive (capitais dos Impérios Assírio e Babilónio, respectivamente) atingiram no seu auge mais de 100 mil habitantes – um número enorme para a Antiguidade. Aqui já se adivinham todas as complexidades deste tipo de organização – incluindo redes de saneamento, canais e reservatórios d´água,estradas e pontes.