A minha mãe, eu e a minha mãe: “L’Imensità – por Amor”

A minha mãe, eu e a minha mãe: “L’Imensità – por Amor”

Maio 4, 2023 0 Por admin
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Por André Gonçalves

Penélope Cruz continua a mostrar o excelente momento de forma e a distribuir chapadas de luva branca a quem em tempos ousou questionar o seu talento, sobretudo quando chegou a Hollywood vinda de Espanha. 

O que é certo é que, desde o seu regresso às colaborações com Almodóvar em “Volver”, que lhe valeu, aliás, a primeira nomeação ao Oscar, que essa narrativa da atriz espalhafatosa e com má pronúncia inglesa ficou numa vida passada, e seria até usada como trunfo em produções como “Vicky Cristina Barcelona” (o seu Oscar). 

Mas pouco depois de Hollywood e pouco antes de “Volver”, a atriz já tinha pisado em solo italiano com o drama “Não Te Movas”, de Sergio Castelitto (2004), que lhe tinha valido várias distinções europeias – incluindo o prémio David Di Donatello (“o Oscar da Itália”) e nomeações para o Goya e os European Film Awards (“os Oscars de Espanha e da Europa”, respetivamente, poderíamos acrescentar). Esta passagem pela bota europeia tem agora uma continuação, 18 anos depois, de novo em território melodrama.

Cruz nem é a verdadeira protagonista de “L’imensitá”, mas a sua personagem é efetivamente a luz de Adri (Luana Giuliani, uma jovem revelação a arriscar uma polémica “transfake”, dados os acontecimentos recentes ocorridos inclusive num teatro português… ), que luta nos anos 70 por uma identidade de género fora da que lhe foi imposta a priori, ao mesmo tempo que assiste à dissolução natural de uma família, onde os rasgos de felicidade maníaca ao som de Raffaela Carrá contrastam com a soturnidade e a violência do chefe de família, que é o protótipo do macho latino dessa era e, convenhamos, até da era atual.  

É neste “Conta-me Como Foi” à italiana, onde a proeminência da banda sonora e dos “décors” da época ameaçam aqui e ali tomar conta da história, que Emanuele Crialese constrói uma obra que nos coloca em contas com a nossa estrutura familiar histórica e nos põe a pensar em como a suposta loucura de uns pode simplesmente ser fruto de uma temporada de abusos a quatro paredes, por exemplo. 

Às vezes sentimos ter um prato demasiado cheio e com os ingredientes todos misturados para o espaço de filme que tem – lá está, existe ali uma dificuldade de eleger a verdadeira protagonista, entre mãe e filha – mas é um prato feito com amor para nos deixar com um sorriso na cara – e lá está, com o esplendor e segurança de grande estrela que Cruz finalmente alcançou, com muito trabalho.